Como reduzir as mortes de ciclistas no trânsito
Omissão do poder público tem causado cenário alarmante nas ruas e estradas. Mas com algumas ações é possível reduzir as mortes e atropelamentos de ciclistas
Um assunto que sempre preocupa quem gostaria de usar a bicicleta como meio de transporte é a segurança viária. Os motoristas vão me respeitar? Meu trajeto é seguro? Estou correndo algum risco?
Claro que o comportamento do ciclista no trânsito ajuda a aumentar sua segurança. Mas é preciso ir além, para não continuaremos perdendo cada vez mais vidas todos os anos. E esse cenário é consequência direta da inação do poder público.
Ciclovias e ciclofaixas são essenciais
Especialistas em mobilidade urbana defendem a criação de ciclovias e ciclofaixas como medida fundamental para proteger quem opta pela bicicleta como meio de transporte. É crucial que essa infraestrutura seja bem planejada, com segregação eficiente do tráfego de veículos motorizados, sinalização clara e visível, além de manutenção constante.
Em vias com grande fluxo e alta velocidade, a implantação de ciclovias segregadas é imprescindível. Já em ruas com velocidade máxima de até 40 km/h, ciclofaixas bem delimitadas podem oferecer proteção adequada aos ciclistas. A implantação de Zonas 30, com limite de velocidade reduzido para 30km/h, também se mostra fundamental para garantir a segurança em áreas com grande circulação de ciclistas, especialmente quando a implantação de ciclovias ou ciclofaixas não for viável.
Nova York: exemplo de sucesso
Um exemplo de sucesso na redução de fatalidades no trânsito é a cidade de Nova York, que registrou uma queda de 84% nas mortes de ciclistas entre 2000 e 2018, mesmo com um aumento de 240% no número de viagens de bicicleta nesse período.
A cidade americana, com metade da área territorial da capital paulista, já contava com mais de 3 mil km de ciclovias e ciclofaixas em 2020. Mais do que 4 vezes o que São Paulo tem hoje. Esse número demonstra a seriedade com que sucessivos prefeitos vêm tratando a segurança dos ciclistas.
O site do Departamento de Trânsito de Nova York (NYC DOT) tem muitos dados e estatísticas sobre a estrutura cicloviária da cidade e sua relação com a segurança dos ciclistas. Entre os principais aprendizados obtidos com a implantação ao longo de décadas, o NYC DOT destaca que:
- O crescente número de ciclistas nas ruas contribui para mudanças positivas na segurança cicloviária. Ou seja: quanto mais ciclistas nas ruas, mais seguras elas se tornam.
- A vasta maioria de fatalidades com ciclistas ocorre em ruas que não têm ciclovias ou ciclofaixas.
Planejamento de tráfego deve priorizar pedestres e ciclistas
Além da infraestrutura, o planejamento de tráfego deve priorizar a segurança de pedestres e ciclistas, com a adoção de medidas de acalmamento de tráfego. Técnicas como o redesenho de vias e a sinalização de áreas preferenciais para pedestres e bicicletas, amplamente utilizadas em países como a Holanda, contribuem para a redução da velocidade dos veículos e para um convívio mais harmônico entre os diferentes modais.
As medidas de acalmamento de tráfego vão além da simples instalação de lombadas. Travessias elevadas para pedestres, aumento do ângulo das esquinas e estreitamento de vias estão entre as diversas técnicas utilizadas.
Na Holanda, muitas ruas são sinalizadas como preferenciais para pedestres e bicicletas. Os motoristas esperam atrás de quem está pedalando e só ultrapassam se houver segurança. Ainda assim, o fazem com calma, com a consciência de que um mínimo esbarrão pode ser fatal. Muitas outras vias são fechadas a automóveis, permitindo apenas trânsito local.
Conscientização de motoristas é fundamental
Campanhas de conscientização direcionadas aos motoristas também são essenciais para promover uma cultura de respeito ao ciclista no trânsito. É fundamental que essas campanhas informem sobre a legislação de trânsito, que garante prioridade aos ciclistas, e orientem sobre como agir de forma segura ao se aproximar de bicicletas.
Comportamentos que priorizem a segurança, como mudar de faixa para ultrapassar, manter distância lateral e aguardar a passagem do ciclista em cruzamentos, devem ser amplamente divulgados. É preciso dizer com clareza ao motorista como agir ao se aproximar de um ciclista. E que ele tem todo o direito de usar a via, ao contrário da crença persistente de muitos que dirigem.
O apelo do “respeite o ciclista”, que acaba relativizando esse respeito quando o motorista não concorda com o comportamento do outro, deve ser substituído pela conscientização do “proteja o ciclista”. E em qualquer situação.
Fiscalização e punição: imprescindíveis para coibir imprudência
Por fim, a fiscalização rigorosa e a punição efetiva para motoristas que desrespeitam as leis de trânsito e colocam em risco a vida de ciclistas são imprescindíveis para coibir a imprudência e a impunidade de quem dirige de forma perigosa. Beber ao dirigir, exceder a velocidade e passar perto demais da pessoa em bicicleta são exemplos de ações cometidas continuamente, sobretudo pela certeza da impunidade.
Motoristas europeus raramente colocam ciclistas em risco nas ruas, mas não apenas por uma questão de educação: se o fizerem, serão severamente punidos, pois estão colocando uma vida em risco. A adoção do princípio da “responsabilidade presumida”, que atribui ao motorista o ônus da prova em caso de atropelamento, pode contribuir para a responsabilização dos condutores e para a mudança de comportamento no trânsito brasileiro.
Compromisso com a segurança viária
A negligência do poder público com a segurança dos ciclistas precisa ser combatida com ações efetivas, que garantam o direito à vida e à mobilidade segura para todos. Investir em infraestrutura, educação e fiscalização é fundamental para transformar as cidades brasileiras em espaços mais seguros e inclusivos para ciclistas e pedestres.
Proteger a vida dos ciclistas, seja com ciclovias, ações de conscientização ou punição a motoristas irresponsáveis, não é um favor. É um obrigação. Tanto no aspecto legal quanto moral. Se um político se declara contrário a medidas de proteção a ciclistas, seja com a justificativa que for, desconfie de seu caráter.