degrau na ciclovia da consolação

Degrau longitudinal criado após o recapeamento coloca em risco a vida de quem pedala na ciclofaixa da Consolação. Foto: Willian Cruz/VdB

Privatizar as ciclovias de São Paulo é uma boa ideia?

Entenda se a proposta, já aprovada em 1ª votação, funcionaria ou não. Vereadores tentam reverter com emenda, antes que ocorra a 2ª votação

Na noite de 10 de dezembro, a Prefeitura de São Paulo conseguiu aprovar em primeira votação um Projeto de Lei que concede ao setor privado ciclovias, ciclofaixas e outras infraestruturas cicloviárias, além de centros esportivos. A proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) foi aprovada pelos vereadores com um placar de 33 a 13.

Dada a situação das ciclovias, concedê-las à iniciativa privada pode parecer uma boa ideia. Mas para entender melhor as implicações dessa decisão, vamos analisar um caso concreto.

Impedimentos

Veja o caso retratado na imagem que abre essa matéria. Esse é um dos pontos críticos da ciclofaixa da Rua da Consolação, região central de São Paulo. Quais as principais necessidades nesse trecho, para melhorar a estrutura?

  • Seria preciso remover esse degrau, que fica bem no meio da faixa
  • Alargar essa estrutura também é importante
  • Aumentar a segregação, elevando a faixa para o nível da calçada e transformando em ciclovia, poderia ser uma boa ideia

Mas se uma empresa ou concessionária assumir essa ciclofaixa, não poderá fazer nada disso. A razão é que a área para bicicletas faz parte do viário. E o viário, assim como a calçada, as sarjetas e as galerias, não faz parte da concessão.

Entenda

  • Não será possível remover o degrau, porque seria preciso intervir no asfalto ou na sarjeta.
  • Além disso, não poderão tapar buracos, porque o pavimento onde se encontram é parte do viário ou da sarjeta.
  • Alargar a ciclofaixa também não seria permitido, pela necessidade de alterar a largura das demais faixas de rolamento. Ou, numa opção ruim, diminuir a calçada.
  • Por fim, elevar a ciclofaixa para transformá-la em ciclovia, também estaria fora de cogitação, pois seria precisa refazer as sarjetas, as galerias de águas pluviais e talvez até parte do asfalto.

A vereadora eleita Renata Falzoni (PSB) fez um post esclarecedor no Instagram, listando os seguintes pontos:

  • A proposta de concessão é tirar as responsabilidades da Prefeitura. Nunes entregou menos de 40% dos 300km de ciclovias prometidos até o fim de 2024.
  • Não cumprir as metas de implantação de ciclovias passaria a ser um problema de uma empresa, e não da Prefeitura em si, o que seria gravíssimo.
  • Imaginem se seria do interesse de uma empresa privada investir em ciclofaixas na periferia, onde o papel inclusivo da bicicleta deve ser fortalecido por políticas públicas?
  • Ciclovias e ciclofaixas são parte da rua, da via pública, e não um equipamento separado.
  • É tecnicamente inviável fazer a concessão de uma ciclovia sem privatizar a rua toda e os serviços de asfalto, a sinalização, as galerias, o sistema de drenagem e etc.

Contrapartidas

Diante dessas limitações, qual seria o incentivo para que uma empresa privada assumisse a gestão dessas infraestruturas?

O retorno mais comum é o ganho de imagem de marca, através da exposição de publicidade. Com a Lei Cidade Limpa, essa possibilidade é sempre valiosa. Mas onde instalar as logomarcas ou propagandas?

Os canteiros da Faria Lima até possuem espaço para placas, mas… eles não fazem parte da ciclovia, portanto não entram na concessão e não podem ser alterados. E mesmo que se tornassem uma opção válida, a maioria das estruturas não tem canteiros ao redor.

Pintar no pavimento seria uma saída? Ciclovias e ciclofaixas são consideradas estruturas viárias pelo Código de Trânsito Brasileiro. Portanto, uma pintura ou adesivação no pavimento seria uma alteração de sinalização de trânsito, descaracterizando a via. A Lei não permite esse tipo de alteração e o Contran define uma padronização para a sinalização de solo.

Por fim, ainda que houvesse algum atrativo significativo para quem assumisse essas concessões, teríamos empresas interessadas apenas em ciclovias localizadas em áreas nobres e de alto fluxo, como Faria Lima e Avenida Paulista. Quem investiria milhões para assumir a manutenção de ciclovias com pouca visibilidade, que fiquem em ruas mais tranquilas ou as situadas na periferia?

Consequências da concessão das ciclovias

A falta de incentivos financeiros e as restrições legais tornam a concessão das ciclovias um negócio pouco atrativo para as empresas privadas. As consequências dessa decisão, portanto, são preocupantes.

A principal delas seria um abandono ainda maior das estruturas de proteção ao ciclista na cidade. A responsabilidade, tanto pela manutenção quanto pela expansão, deixaria de ser da Prefeitura.

A gestão Ricardo Nunes poderá alegar que está aguardando interessados, adiando ainda mais a já precária e inadequada manutenção das ciclovias. Também seria postergada a prometida, reprometida e em muito atrasada expansão da rede cicloviária paulistana.

Poderiam se passar meses, anos, até que alguém aceitasse esse encargo. Pode até ser que nunca ninguém aceite… Enquanto isso, as ciclovias continuarão sumindo aos poucos, sob a tentativa passiva e discreta de que sejam esquecidas pela população.

Mas na Ciclovia da Marginal funcionou

A Ciclovia Rio Pinheiros certamente é um bom exemplo de como um espaço público pode mudar bastante quando bem administrado pela iniciativa privada. No entanto, sua situação difere muito das demais estruturas da cidade.

Ao contrário das ciclovias e ciclofaixas das ruas e avenidas, aquele espaço não é considerado parte do sistema viário. A circulação não está sujeita às leis de trânsito e a sinalização não precisa seguir as regras do Contran.

Mas a principal diferença é que a concessão abrange não apenas a pista, mas tembém seu entorno. Isso permite que a empresa que administra o local faça melhorias em banheiros ao longo da via, realize eventos às margens da ciclovia, instale publicidade ao lado da pista e, inclusive, conceda espaço para outras empresas instalarem pontos de venda e de ativação no entorno.

Dessa forma, a concessão da Ciclovia da Marginal Pinheiros fornece ao concessionário várias possibilidades de contrapartida, que compensem o valor que precisa ser investido para manter e melhorar o local. E esse investimento, convenhamos, não é baixo.

lojas ciclovia marginal rio pinheirosLojas no entorno da Ciclovia Rio Pinheiros. Foto: @cofferunbike/Divulgação

Tentando barrar a privatização das ciclovias

Diante desse cenário, é fundamental agir rapidamente para impedir que a privatização das ciclovias se concretize. Mesmo antes da posse, que só ocorrerá em janeiro, Renata Falzoni já está atuando na defesa dos ciclistas.

Em parceria com o vereador Toninho Vespoli (PSOL), Renata apresentou logo no dia seguinte uma emenda supressiva, com o objetivo de excluir as estruturas cicloviárias do Projeto de Lei. “Agora precisamos que ao menos 19 vereadores assinem a emenda e que ela seja aprovada na segunda votação, na próxima semana”, explica Falzoni.

É hora de cobrarmos os vereadores do mandato atual para que impeçam esse absurdo.
Nesta página você encontra os telefones e e-mails de todos eles.

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