Pesquisas e levantamentos tornam clara a demanda por ciclovias em São Paulo
Ao contrário do que afirmou especialista em trânsito e transporte ao Estadão, a demanda por ciclovias em São Paulo existe, sim. E esses números podem provar.
O jornal O Estado de São Paulo (Estadão) consultou o especialista em trânsito Sérgio Ejzenberg, que além de ter uma empresa de consultoria na área também comenta o assunto no SPTV (Globo), para analisar a criação de 400 km de ciclovias na cidade de São Paulo. Em suas respostas, Ejzenberg demonstra que seu raciocínio em relação à mobilidade em bicicletas é, no mínimo, ingênuo. O mesmo já aconteceu pouco tempo atrás, quando fez críticas às faixas exclusivas de ônibus.
O especialista declarou ao jornal que as faixas exclusivas de ônibus estão causando “prejuízo generalizado para o comércio” (?), tentando transportar essa suposta situação também para a criação da malha cicloviária. E demonstrando total falta de conhecimento sobre o uso da bicicleta e sem apontar qualquer estatística que comprove suas afirmações, afirmou ainda que “estão criando uma demanda [de uso da bicicleta] que não existe” e que as ciclovias não terão utilização em dias de frio e chuva.
Demanda
A demanda pelo uso da bicicleta na cidade de São Paulo existe, sim, e é bastante clara. Só não vê quem desconhece os números e não se esforça para buscá-los. Para dar alguns exemplos:
Pesquisa de Mobilidade da Região Metropolitana – Metrô, 2012
Essa pesquisa, que disponibilizamos aqui, foi realizada pelo Metrô em 2012, como atualização da Pesquisa Origem/Destino, de 2007. Apesar de considerada por especialistas em bicimobilidade como falha para o modal bicicleta, mostra números interessantes:
- 333 mil viagens diárias em bicicleta durante os dias úteis, mesmo com a infraestrutura ainda deficiente e desconectada.
- 158 mil viagens de táxi por dia, ou seja: há mais que o dobro de viagens de bicicleta do que de táxi.
Pesquisa sobre Mobilidade Urbana – Rede Nossa São Paulo e Instituto Ibope, 2012
Realizada pela Rede Nossa São Paulo e Instituto Ibope, trouxe indicadores interessantes sobre a percepção que os moradores têm da cidade. Veja aqui.
Destacamos os seguintes pontos:
- 65% das pessoas aceitaria deixar o carro em casa se outras opções, como transporte público e bicicleta, fossem viáveis. Esse índice sobe para 81% entre as pessoas com nível superior de escolaridade.
- Uma em cada quatro pessoas usa a bicicleta “de vez em quando”. Entre os jovens de 16 a 24 anos, esse número salta para 47%.
- A quantidade de pessoas que utiliza a bicicleta “todos os dias” ou “quase todos os dias” também é bem maior do que se imagina: 7%.
- Somados, os ciclistas habituais e eventuais representavam, em 2012, 32% da amostra, praticamente um terço da população entrevistada.
- Os resultados mostraram ainda que uso habitual e eventual da bicicleta, somando 32% da amostra, já representava em 2012 o dobro do uso da moto, com 16%.
- Entre as pessoas que afirmaram não utilizar nunca a bicicleta, 63% afirmaram que passariam a utilizar havendo melhores condições. Entre essas pessoas, 34% utilizariam a bicicleta se houvesse mais segurança para os ciclistas. 27% dos entrevistados traduziram essa falta de segurança expressamente em necessidade de ciclovias.
Contagens de ciclistas
A Ciclocidade, Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo, realiza eventuais contagens de ciclistas em alguns pontos da cidade. Destacamos aqui três delas:
- A contagem realizada pela Ciclocidade na ciclovia da Av. Eliseu de Almeida, em junho de 2014, registrou 648 ciclistas em um período de 14 horas (veja aqui). Para efeito de comparação, em 2010 foram contabilizados 561 ciclistas e, em 2012, foram registrados 580 cidadãos se deslocando em bicicletas. O crescimento entre 2012 e 2014, após a construção de um primeiro trecho de ciclovia – que no dia da contagem ainda não estava nem sinalizada – foi de 11,7%. Esses números mostram que além de haver demanda crescente para o uso da bicicleta mesmo sem ciclovia, esse uso cresce bastante quando a estrutura é construída (ainda que não seja perfeita).
- A contagem realizada pela Ciclocidade na ciclovia da Av. Inajar de Souza, Zona Norte da cidade, também em setembro de 2013, registrou 1.413 ciclistas em um período de 15 horas. A avenida tem um passeio no canteiro central, usado de forma compartilhada com pedestres, porém sem sinalização de ciclovia, o que acaba oferecendo risco nos cruzamentos e conversões, e ainda há um trecho de cerca de 3km da via sem essa área segregada. Esse número certamente seria muito maior se houvesse segurança para atravessar a Ponte da Freguesia do Ó para chegar ao centro da cidade – hoje um local de risco para os ciclistas devido à falta de sinalização específica e à sua estrutura de alça de acesso, mas que precisa ser vencida por quem se desloca de bicicleta, por não haver alternativa segura para se chegar ao centro expandido.
- A contagem realizada pela Ciclocidade na ciclovia da Av. Faria Lima, em setembro de 2013, registrou 1.726 ciclistas em 14 horas de medição. Esse é um ótimo exemplo prático e claro para rebater a argumentação da “demanda que não existe”: antes da ciclovia, a quantidade de ciclistas transitando no local era mínima, devido ao viário agressivo e pavimento irregular. Saiba mais sobre a contagem e os novos perfis de ciclistas que surgiram na região. E nesta página, um vídeo com o depoimento da advogada Luciana Góes, que deixou de usar o carro quando a ciclovia da Av. Faria Lima foi construída. “Eu moro aqui há quatro anos, fazia tudo de carro, e estou adorando minha vida sem carro, está sendo excelente”, contou Luciana à nossa reportagem. Vale assistir.
Frio e chuva
Em dias de chuva, a quantidade de ciclistas diminui, mas não a ponto de não haver utilização. Já em dias frios, a variação não é tão grande assim. Muitos ciclistas até preferem os dias com temperatura mais baixa, por transpirarem menos. Se estivéssemos no verão, talvez o especialista afirmasse que em dias quentes demais ninguém vai ao trabalho pedalando.
A contagem da Av. Eliseu de Almeida, apontada acima, foi realizada em um dia frio e úmido de junho, com garoa praticamente o dia inteiro. E a foto abaixo demonstra claramente que frio não é problema para ciclistas, principalmente depois que a cultura de uso da bicicleta se instala em uma cidade e as pessoas descobrem suas soluções para lidar com variações climáticas. Veja mais exemplos de dias frios e chuvosos.
Solução do especialista
Como solução, o especialista afirma que deveria-se estimular o uso de “vias internas de bairro como rotas alternativas, onde o tráfego é menos intenso e mais seguro”. Claro que isso não resolveria o problema, pois os ciclistas continuariam usando as avenidas. Já discutimos o assunto aqui no Vá de Bike, neste artigo e também neste outro. Valem a leitura.
Quando se vive a cidade apenas por detrás do para-brisa do carro, é difícil imaginar que existe vida inteligente do lado de fora. As bicicletas são invisíveis, quando muito um estorvo, e os ciclistas parecem ser um bando de chatos que não querem dirigir. Mas os números comprovam que a visão do especialista está extramente equivocada: já tem muita gente usando a bicicleta na cidade e haverá cada vez mais, conforme a cidade se tornar mais receptiva a quem pedala.
Desculpe, ontem consegui acessar pelo Google Maps… 🙂
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Ok! 🙂
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Que pena, o site não mostra o mapa em smartphone Android. Será que não vale a pena atualizá-lo?
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Qual mapa, Renato? Nesta matéria não há mapa…
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