Foto: Ciclocidade

Por que há menos mulheres pedalando do que homens?

O que afasta as mulheres de usar mais a bicicleta? Conheça os principais motivos, com números, estudos e exemplos que os comprovam.

Mulheres ainda representam apenas 6% das pessoas que se deslocam em bicicleta na cidade de São Paulo. Como mudar esse cenário? Foto: Willian Cruz/VdB

Não é impressão sua: de fato, há bem menos mulheres pedalando do que homens. Na cidade de São Paulo, apenas 6% das pessoas se deslocando em bicicleta são mulheres.

Mas por que essa disparidade? Veja nossa reportagem especial em vídeo, ou leia a versão em texto logo abaixo.

As bicicletas e as mulheres

As bicicletas foram importantíssimas para que as mulheres conquistassem mais liberdade e autonomia, ainda no final do século XIX. “Andar de bicicleta fez mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa no mundo”, dizia Susan Anthony, nos EUA.

Conforme a bicicleta se tornava popular, as mulheres passaram a circular mais pelo espaço público, a ir mais longe e a se reunir com outras mulheres sem a presença de homens. Dessa forma, começaram a discutir seus direitos e também a lutar por eles. Como resultado conquistaram, entre outras coisas, o direito ao voto. Conheça aqui essa história.

As bicicletas estão intrinsecamente ligadas às conquistas femininas do final do século XIX e início do século XX

Mas se a bicicleta está tão ligada à história dos direitos, da liberdade e do empoderamento feminino, por que temos bem menos mulheres pedalando do que homens? Nesse artigo (e no vídeo do início da página) você vai conhecer alguns dos principais motivos dessa diferença.

Divisão de tarefas

Não é só no Brasil que temos menos mulheres do que homens andando de bicicleta. Um relatório da League of American Bicyclists (Liga dos Ciclistas Americanos) mostra que apenas um quarto das pessoas pedalando nos Estados Unidos são mulheres (24%).

O que essa pesquisa apontou é que as mulheres têm mais tarefas a realizar do que os homens, principalmente depois que se tornam mães. E que nem sempre conseguem usar a bicicleta nesses casos.

Atividades como deixar as crianças na escola, levar roupa na lavanderia, fazer compras e preparar o jantar foram exemplos, citados pelas entrevistadas, de tarefas que tomam seu tempo e as impedem de usar mais a bicicleta. É a chamada dupla jornada.

Risco viário

Além dessa divisão desigual de tarefas, aqui no Brasil ainda temos outros problemas. E sobre pelo menos um deles, temos números claros para mostrar.

Contagens de ciclistas realizadas antes e depois da construção de ciclovias mostram um ponto muito importante. Depois da construção de uma estrutura de proteção, a quantidade de mulheres pedalando aumenta muito.

Mais mulheres pedalando na Eliseu de Almeida

A avenida Eliseu de Almeida, Zona Oeste da capital paulista, é o um exemplo claro de que a construção de ciclovias faz com que mais mulheres usem a bicicleta. Uma contagem feita em 2010 registrou apenas 9 mulheres pedalando na avenida (em 14 horas de contagem, num dia útil). Não havia proteção na via e as ciclistas precisavam pedalar junto a carros, ônibus e caminhões.

Quatro anos depois, com a ciclovia recém-inaugurada no canteiro central, o número de ciclistas mulheres cresceu 1.444%, com 139 registradas no local. E não parou por aí: em 2016, foram contadas 199 mulheres, um aumento de 2.111%!

Se as mulheres representavam apenas 2% do total de ciclistas na avenida antes da ciclovia, essa fatia chegou a 11% já em 2015, apenas um ano depois da construção da estrutura.

Em locais com ciclovias ou ciclofaixas, a proporção de mulheres pedalando aumenta consideravelmente. Foto: Willian Cruz/VdB

Tráfego agressivo afasta mulheres das pedaladas

Da mesma forma, outros locais onde ciclovias ou ciclofaixas foram implantadas registraram efeito semelhante – como na Consolação, por exemplo. Em estruturas com maior segregação, como na avenida Faria Lima, as mulheres chegam a representar 20% do fluxo. Por outro lado, em regiões periféricas da cidade, onde o tráfego é mais agressivo e a fiscalização a abusos no trânsito é menor, a proporção de mulheres se mantém entre 2 e 3%.

Esses números são uma boa indicação de que, no Brasil, um dos motivos que mais afasta as mulheres do pedal é o risco viário. Mas isso pode mudar: aquele mesmo relatório da Liga de Ciclistas Americanos conta que na Holanda as mulheres estão em mais da metade das bicicletas que circulam pelo país (55%). Por coincidência, as ciclovias e ciclofaixas estão em praticamente todo lugar e as mulheres se sentem seguras para pedalar nas cidades, mesmo nas vias onde o tráfego é compartilhado.

Com a ciclovia mais utilizada na cidade, a Faria Lima tem sido palco de inúmeros assaltos, sobretudo no trecho entre o Largo da Batata e o Instituto Tomie Ohtake. Foto: Willian Cruz/VdB

Roubos

Outro ponto são os roubos de bicicletas, que têm aumentado muito nos últimos anos, conforme o uso da bicicleta crsce na cidade. Isso também afasta as mulheres do uso da bicicleta.

Em São Paulo tem crescido a ocorrência de roubo de bicicletas elétricas (especialmente nas proximidades do Largo da Batata, na avenida Faria Lima), algo que estava fora do radar dos bandidos até pouco tempo atrás.

Assédio

Por fim, há um assunto que incomoda demais as mulheres, mas é difícil de lidar por ser considerado um comportamento “normal” por muitos homens.

O assédio ao pedalar é uma reclamação comum entre as mulheres. Relatamos por aqui o caso de um motorista que emparelhou com uma ciclista para lhe passar uma cantada grosseira e que, ao receber uma resposta irritada a essa invasão, a atropelou de propósito. Ela se machucou bastante, ficando com um ferimento sério na cabeça, que por sorte não resultou em algo pior. Na época tivemos acesso a fotos, mas optamos por preservá-la não publicando as imagens.

Homens, entendam: muitas mulheres deixam de pedalar de tanto levar cantadas e ouvir “gracinhas” na rua. Outras andam de fone de ouvido para conseguir ignorar. Isso não é legal.

Não é porque as mulheres estão usando roupas curtas ou justas (afinal, estão pedalando) que os homens ganham o direito de declamar bobagens para elas, com a desculpa de serem elogios ou flertes. Há uma boa discussão sobre o tema nessa matéria da Aline Cavalcante, com um bloco no final do texto debatendo o limite tênue entre assédio e elogio.

Pesquisa da Ciclocidade apurou o que as afasta do uso da bicicleta. O trabalho foi inteiramente conduzido por mulheres. Imagem: Ciclocidade

Pesquisa apontou causas do afastamento de mulheres

Em 2015, a Ciclocidade fez uma pesquisa com mulheres para descobrir os principais problemas e receios que elas tinham ao pedalar.

O medo de compartilhar a via e a falta de respeito no trânsito vieram em primeiro lugar, quase empatados com “risco de colisão, queda ou atropelamento”.

Em seguida, veio o risco de assalto, a falta de infraestrutura e o assédio. Somando-se algumas das alternativas, percebe-se que a maioria das respostas está relacionada direta ou indiretamente ao risco viário.

E você? O que te afasta de um uso maior da bicicleta?

Apesar de ter pesquisado bastante sobre o assunto, entendo que esse não é meu lugar de fala. Por ser homem, nunca senti na pele e nunca vivi as mesmas experiências que as mulheres têm quando andam de bicicleta.

Por isso peço a você mulher, que gosta de andar de bicicleta, que deixe o seu comentário e conte pra gente: o que te impede ou te desanima de pedalar? O que precisaria mudar para que você conseguisse andar de bicicleta mais vezes?

E você, homem que se dispôs a ler até aqui e que vive junto com uma mulher (ainda que seja sua mãe), faça sua parte nas tarefas de casa e no dia a dia. Lave a louça, dê uma varrida na casa, lave a privada, pendure a roupa no varal, vá buscar as crianças na escola. Faça disso a sua rotina! Você não está só “ajudando”, você está fazendo a sua parte.

Não é justo você ter mais tempo do que ela para o lazer, para o descanso e para deslocamentos mais tranquilos e prazerosos de bicicleta. Pense nisso.

8 comentários em “Por que há menos mulheres pedalando do que homens?

  1. Estou sem pedalar desde o quarto mês de gravidez para evitar passar nervoso. Mesmo com uma boa estrutura, sabemos que tem motoristas que não respeitam e um quarteirão de “rota de bicicleta” é suficiente para um babaca estragar seu dia.

    Aí após o parto são 2 meses em repouso, e mais uns bons meses até o bebê ficar sentado para incluir uma cadeirinha na bike. Pode ser que eu pedale nesse meio tempo, mas dificilmente mais que 1 hora, já que a amamentação é a prioridade nesse momento.

    E mesmo com a cadeirinha não me vejo mais fazendo os deslocamentos com bike em São Paulo, por conta da exposição à poluição e os perigos do trânsito. E claro, uma questão de conforto também, se eu precisar parar para amamentar ou acalmar o bebê, não posso sentar na sarjeta. Também não posso simplesmente tomar chuva se o tempo virar.

    Mas tudo bem. Quem dera as pessoas só comprassem carro pensando nas crianças, o trânsito seria bem mais tranquilo.

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  2. O texto aponta inicialmente que a dupla jornada é o principal fator para que menos mulheres do que homens utilizem a bicicleta, porém o mesmo texto mostra que após construída uma ciclovia o número de mulheres que utilizam a bicicleta explodiu. Essa questão da falta de tempo não tem nada a ver. Mulheres se preocupam com segurança, como o comentário da Luciana lembrou. Bicicleta é um meio de transporte e permite ganhar tempo.

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  3. Eu levava meus filhos de bicicleta para aula de ingles ,natação etc.E iam dois um sentado no bagageiro e outro no guigon. Ja pedalei mundo afora sozinha de bicicleta ( isso depois de aposentar com 58 anos : no Japão ,Espanha,França,Alemanha,Austria,Eslováquia etc.

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  4. Em primeiro lugar, acho que há um estímulo muito maior aos meninos pedalarem do que as meninas. Assim, as meninas até aprendem a pedalar, mas chega lá por 13, 15 anos não querem mais saber de bicicleta. Então, claro, quando adultos, homens se sentem tecnicamente mais confortáveis para pedalar que as mulheres. Mas acho que em termos de uso de bicicleta para transporte há a questão de segurança, tanto em relação a roubos, quanto em relação a atropelamento e, claro, assédio. Essas três questões foram tratadas no artigo. Mas não faltam só mulheres usando a bicicleta como meio de transporte. Faltam pessoas mais velhas, faltam crianças. Se a segurança geral melhorasse (assim como as condições da ciclovia), certamente haveria um grupo mais heterogêneo pedalando. Eu, como uso bicicleta como meio de transporte há três décadas, já me acostumei e driblo esses problemas. Mas não é tranquilo…

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