Márcia Regina de Andrade Prado | 17/11/1968 - 14/01/2009

Quem foi Márcia Prado

Saiba quem foi Márcia Regina de Andrade Prado e porque ela recebe tantas homenagens.

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A Rota Cicloturística Márcia Prado, ligando as cidades de São Paulo e Santos, já ficou bastante conhecida entre os ciclistas brasileiros. A ghost bike em sua homenagem já se tornou parte da paisagem da avenida símbolo da cidade de São Paulo, a Avenida Paulista. Mas nem todos sabem quem foi essa mulher, tampouco o motivo de tantas homenagens.

Quando Márcia Regina de Andrade Prado faleceu, muita gente me perguntava se eu não iria publicar nada aqui no Vá de Bike, já que eu a conhecia. Eu não tinha nem vontade de escrever sobre isso pois ainda estava abalado. Dei algumas entrevistas e escrevi comentários em matérias, reclamando de títulos tendenciosos – como o de uma matéria da Folha, que não convém nem citar o link. Então, depois de alguns dias, decidi publicar o texto abaixo.

A mulher em cima da bicicleta

Conheci a Márcia na cicloviagem que participantes da Bicicletada de São Paulo fizeram até Ubatuba, em novembro de 2008. Até então, só tinha lido algumas mensagens dela na lista de e-mails da Bicicletada e não a conhecia pessoalmente.

Durante o percurso da viagem, não conversamos muito, pois o grupo estava relativamente disperso na estrada. Foi chegando lá que realmente a conheci. Eu, ela e a Priscila, minha esposa, fomos tomar um café num lugar agradável e tranquilo. Ficamos ali por um bom tempo, conversando sobre a vida e sobre nossas histórias pessoais – enfim, assuntos que não tinham a ver com a bicicleta, mas com as nossas vidas.

E ali conhecemos um pouco da pessoa por trás dos e-mails e do capacete: uma mulher tranquila, ponderada, compreensiva e que amava e respeitava a vida.

A cicloativista

Márcia era bastante ativa no cicloativismo. Encontrava informações pela internet, pesquisava as leis, entrava em contato com órgãos públicos. Participava dos encontros na Praça do Ciclista, das ações, das viagens. Era muito presente na Bicicletada e nas manifestações diversas.

Era uma mulher muito tranquila que, apesar de se revoltar com a batalha inglória em defesa de nossos direitos e nossa segurança, não desanimava e nem desistia, tampouco perdia a paciência.

Como os demais participantes da Bicicletada, ela fazia isso porque acreditava em uma cidade melhor para todos. Acreditava que a bicicleta humaniza a cidade, direta e indiretamente, como já se provou em muitos lugares do mundo. Menos carros e mais pessoas, menos fumaça e mais pássaros, menos roncos de motor e mais sorrisos de crianças. Era nisso que ela acreditava.

Ela era uma das signatárias do Manifesto dos Invisíveis. Ao contrário do que alguns jornalistas desinformados divulgaram à época, o Manifesto não é um texto pedindo ciclovias. Muito pelo contrário! É um texto que pede que nosso direito de circulação seja respeitado, afirmando que não iremos esperar que a cidade tenha ciclovias em todas as avenidas para que possamos circular de bicicleta. Siga o link acima e entenda do que estamos falando.

Márcia uma pessoa muito querida no movimento, principalmente entre as meninas, que choraram bastante pela sua falta.

A Rota Cicloturística

O caminho que leva de São Paulo a Santos, passando pela Ilha do Bororé através de duas balsas e seguindo pela Estrada de Manutenção da Rodovia dos Imigrantes, é inspirado no trajeto da viagem que a ciclista Márcia Prado realizou em vida.

Trata-se de uma sugestão de rota cicloturística feita pelo Instituto CicloBR, para que as autoridades criem um meio atraente e seguro para o ciclista chegar ao litoral paulista.

O caminho é MUITO bonito, principalmente se feito por completo, passando pela Ilha do Bororé. É um passeio que vale muito a pena e ficará na sua memória para sempre.

A Rota Cicloturística Márcia Prado passa por diversos municípios. Na cidade de São Paulo, é oficializada pela Lei Municipal 15.094/2010 e regulamentada pelo Decreto 51.622/2010.

O “acidente” que tomou sua vida

Em janeiro de 2009, Márcia Prado foi morta por um motorista de ônibus, em plena Av. Paulista, enquanto se deslocava a trabalho em sua bicicleta. As notícias chegavam aos poucos e, a princípio, nos recusávamos a acreditar que fosse mesmo ela a vítima (leia aqui um relato desse dia). Sua morte foi logo classificada como “acidente” pela imprensa, que a culpava por ter sido surpreendida por um ônibus.

Passar com um veículo de 8 toneladas por cima de alguém que NÃO se jogou na sua frente de repente não é um acidente. Acidente é quando acontece algo inesperado, onde nada poderia ter sido feito para evitar.

A morte que ocorreu ali não foi inesperada. Ao mover 8 toneladas para cima de 80 quilos, deveria-se esperar o pior. Também não foi inevitável: se o motorista respeitasse a LEI (art. 201 do CTB), teria passado a 1,5m da ciclista ao ultrapassá-la e não a teria derrubado da bicicleta.

O automóvel desgasta a sociedade, torna as cidades menos humanas e as pessoas mais frias. A ponto do “acidente” que mais mata crianças ser o carro e isso não ser considerado um problema de saúde pública, resultando apenas em campanhas que colocam a responsabilidade nas crianças e não nos carros, além de propagandas que as mostram como inimigas dos veículos. Passa-se a afirmar que a rua é só dos carros e que bicicletas não devem fazer uso dela, a dizer que a ciclista é que estava errada de circular ali.

Essas falsas verdades, propagadas por poder público e imprensa, dão aos maus motoristas o aval moral para “assustar” o pedestre que não deveria atravessar a rua, acelerando sobre ele, ou “educar” um ciclista a sair da via tirando uma fina com o carro ou ônibus, um ato que pode tomar-lhe a vida ou deixá-lo com sequelas para sempre.

Causas e repercussão

Foi revoltante ver comentários – de cidadãos em notícias na internet, de jornalistas mal preparados publicando matérias distorcidas e até de “especialistas” em trânsito falando no rádio e na TV – afirmando que a ciclista morreu porque não deveria estar na rua, que a bicicleta é perigosa e que a Avenida Paulista “não era lugar de bicicletas”. Isso é um absurdo!

Em primeiro lugar, o art. 58 do código de trânsito diz que a bicicleta tem direito sim à rua, com preferência sobre os veículos automotores. Veja aqui.

Em segundo lugar, a bicicleta não é perigosa. A bicicleta não mata ninguém. O perigo está nos carros de uma tonelada ou mais que não respeitam seu espaço. Como algo que corre perigo pode ser o elemento perigoso? Como algo que subtrai vidas e coloca os outros em risco, em oposição a um veículo leve que mantinha sua trajetória sem interceptar a de ninguém, pode ser transformado em vítima nessa retórica absurda?

Em terceiro, em cidades como Londres há pistas de ônibus compartilhadas com bicicletas. Os acidentes diminuem e tudo funciona muito bem (inclusive os horários dos ônibus, conceito impraticável em São Paulo já que os ônibus sofrem com o congestionamento provocado pelos automóveis). Até Nova Iorque, principal cidade do país do automóvel, foi remodelada para se tornar mais humana através do uso da bicicleta e da retomada dos espaços públicos pelas pessoas, em contraponto ao modelo tradicional da prioridade do motor.

Em quarto lugar, o motorista ERROU ao passar tão perto da ciclista. O art. 201 do código de trânsito diz que a distância deve ser de 1,5m e isso tem seu motivo: uma encostada na ponta do guidão o vira de um jeito que derruba o ciclista em direção ao carro/ônibus/etc, podendo jogá-lo debaixo da roda. Ele não deveria ter feito isso NUNCA. E não há pressa, descaso ou preconceito contra ciclista que justifique isso.

Em quinto, ciclista não “atrapalha” o trânsito, ciclista é parte do trânsito. Alguém que troca seu carro pela bicicleta “atrapalha” muito menos que com o automóvel que utilizava – que ocupa oito metros quadrados de asfalto quando parado e pelo menos uns 20 em movimento. A rua não é exclusiva dos carros. O ciclista tem sua limitação de velocidade, que deve ser compreendida e aceita. Os motoristas devem ultrapassar de forma segura ou esperar, como fariam com qualquer outro veículo lento, como um ônibus ou um caminhão carregado.

E, por último, o motorista SABIA que ia espremer a ciclista e muito provavelmente fez isso de propósito, para “puni-la” pelo que ele considerou errado: estar com a bicicleta na rua. Muitos motoristas fazem isso todos os dias, jogando o carro em cima do ciclista para puni-lo por estar usando a via. E, claro, fogem. Se o ciclista cair, que se dane, é só ir embora rápido que “não dá em nada”. Ninguém dirigindo um carro espreme um caminhão contra a calçada, pois não coloca a própria vida em risco. Não deveriam fazê-lo com o ciclista também, pois colocar deliberadamente em risco a vida de outra pessoa é muito mais que egoísmo ou falta de caráter: é crime.

As pessoas deveriam pensar melhor antes de sair divulgando na televisão ou nos jornais uma opinião infundada, incoerente, egoísta, limitada e preconceituosa, principalmente porque essa opinião vai ser absorvida por muita gente que não quer se esforçar para entender o que aconteceu e engolirá tudo sem mastigar, (de)formando sua opinião sobre o assunto.

Por mais que a ciclista estivesse errada, puni-la com a morte é um pouquinho demais, não é? Por mais que o motorista do ônibus a odiasse por um motivo qualquer, por mais que ela tivesse feito alguma maldade para ele um dia, nada justificaria o que ele fez. Muito menos o simples fato de estar ali, andando de bicicleta.

Condenação do motorista

O motorista Márcio José de Oliveira (que, por ironia do destino, tem nome semelhante à de sua vítima) teve vários advogados atuando em sua defesa, mas ainda assim foi condenado pelo crime de trânsito que cometeu – art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”.

“A própria descrição do réu e a dinâmica dos fatos revelam sua culpa”, diz o texto da sentença, emitida em julho de 2013, quatro anos e meio depois do ocorrido. “Seja por manobra abrupta, seja por ter resvalado no guidão da ciclista, o réu foi determinante com sua conduta para o desfecho fatal e sua imprudência ficou patente.”

Em julho de 2013, quatro anos e meio depois da morte de Marcia, o motorista que a atropelou foi condenado a 3 anos, 6 meses e 20 dias de detenção, “ficando suspensa sua habilitação para dirigir veículo automotor no mesmo intervalo.” Entretanto, por estarem presentes as condições previstas no art. 44 do Código Penal, sua pena privativa de liberdade foi substituída por “prestação de serviços à comunidade, por igual período, mais 10 dias multa”.

Entretanto, o juiz considerou que esses serviços comunitários não poderiam ser em projetos ligados a cicloativismocomo pediu o promotor. “A dor pelo óbito causado, bem como a pena ora aplicada, inclusive com suspensão de habilitação a impedir que o réu, já com 57 anos, continue exercendo sua profissão, são mais que suficientes para lhe despertarem a consciência da necessidade de respeito ao ciclista no trânsito.” E completou: “a frequência em cursos de convivência com o ciclista apenas infligiria sofrimento e constrangimento inúteis ao réu.”

Condenação da empresa

A Viação Oak Tree foi condenada a pagar R$ 100 mil de indenização à família de Márcia Prado. A decisão é importante por reconhecer a responsabilidade de uma empresa de transportes urbanos pela conduta criminosa de um de seus motoristas, criando jurisprudência para que outras vítimas também venham a ser indenizadas.

A fundamentação do acórdão sobre a indenização à família da ciclista faz um relato resumido da conduta do motorista, destacando sua responsabilidade por outros usuários da via na condução de um veículo de grande porte, principalmente por ser um profissional com experiência. “O réu conduzia um veículo de grande porte, visualizou a ciclista na sua frente e mudou de faixa para ultrapassá-la. Exigia-se aqui que agisse com máxima prudência, certificando-se de que já a tinha deixado para trás e numa distância segura, bem como que se acautelasse também com sua integridade. Assim, não fazendo, concorreu culposamente para o evento”, diz o texto. Saiba mais.

53 comentários em “Quem foi Márcia Prado

  1. Pois bem sou ciclista a cinco anos e sei bem o que é passar por isso, já fui atropelado por um caminhão basculante porem graças a Deus não quebrei um osso se quer. Minha sugestão é que o Osama Bin Laden acerte os alvos certos como Wolksvagen, Toyota, Chevrolet, GM, Krysler e outras montadoras de veiculos, é eu acho que assim diminuiria um pouco mais o numero de veiculos nesta cidade ridicula em questão de transporte que é São Paulo.

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  2. assassino FDP!

    ainda teve coragem de declarar: “estou com a consciencia limpa”; vai ter que prestar conta pra satanás! isso se eu não quebrar ele antes.

    o veículo maior tem obrigação de zelar pelo veículo menor.

    márcia uma bela mulher! descanse em paz.

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  3. Acabei de montar uma bike, e recomeçar a praticar o que, desde os 15, eu fazia: andar de bike. E agora, em busca de blogs sobre o assunto, encontrei este, ótimo por sinal. Fiquei consternado, mas não surpreso, com o assunto da morte da ciclista. Existe um lado na nossa cidade que não gosto e é meio animalesco. Mas não é por isso que vou sair de bike por aí, e largar o meu carro mais tempo parado. Eu sou livre! Não são ônibus, assaltantes ou neuróticos que me impedirão de sentir o vento na cara, as pernas tensas do esforço e a liberdade que a magrela proporcionam. Deixei de fazer muita coisa por causa dos “outros”, que nem sei quem são. Não deixo mais! Estou nessa!

    Deixei um link para o blog de vocês no meu Blog, e irei divulgar a idéia, no meu blog, site, trabalho…

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  4. Começei esta semana a usar a Bike como meio de transporte aki em Curitiba, Parabéns pelo blog.
    E infelizmente a raça humana (deveria ser desumana) é assim, as pessoas não pensam no bem dos outros, querem saber apenas de si, mas quem sabe um dia muda, eu ainda acredito. E a Marcia deverá estar olhando por todos os ciclistas em um lugar muito bom.
    Abraços
    Neto

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  5. Belo texto e muito boas dicas pra quem pedala em SP.
    Só para ilustrar, ontem (19/01), eu estava de bike pela Av. Ricardo Jafet, diversas vezes fui fechado pelos carros que insistiam em ultrapassar os outros carros pela direita e tiravam “finas” de mim e da minha bike.. tudo isso pra que? Para chegar primeiro no farol e ficar parado!!!! Discuti, como sempre faço,e pedi a distância mínima.. Mas ninguém conhece a legislação e dá pouca importância ao que falo…alguns, num momento de barbárie, mostram seus dedos médios e me xingam… tudo isso é realmente lamentável…
    Abraços ciclísticos a todos

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  6. Belo texto da “Lenda”, só que corrija os artigos do CTB, o que fala do 1,5 é o 201. O 220 manda o motorista reduzir a velocidade ao avistar o ciclista, ou seja, o motorista do ônibus desrespeitou dois artigos.

    Abraços

    André

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  7. Estou inteiramente de acordo com o post.
    O argumento de que ciclistas atrapalham me deixa transtornada. OS CARROS É QUE ATRAPALHAM O TRÂNSITO! Atrapalham ciclistas, atrapalham pedestres, atrapalham os ônibus. Nos dois primeiros casos, pode-se ainda trocar “atrapalham” por “matam”.

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  8. Como sempre escreveu muito bem!

    Estava aguardando sua opinião sobre o triste acontecimento!

    Um dos melhores relatos que li!

    Abraços, lenda!

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  9. Um belo de um tapa na cara dos pedalantes esse episódio. O mínimo que temos que fazer é cuidar para que este assassino nunca mais coloque as mãos num volante.

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  10. Não a conheci. Mas é dificil não se emocionar com a foto do tchauzinho.

    “…a ciclista morreu porque não deveria estar na rua…”
    Inacreditavel. Tem certeza que voce ouviu isso ?!?

    Manifesto dos Invisíveis.
    Concordo com o conteúdo.
    Não ando de bicicleta. Uso transporte coletivo.
    Também me considero um invisível. Mesmo andando na calçada ou atravessando na faixa, muitas vezes os motoristas não me enxergam.
    Pedestre, assim como ciclista e motorista, faz parte do transito. Sendo o mais indefeso.

    1) Não faz sentido juntar-se aos pedestres? A causa é a mesma. Os dois s
    ão maltratados e indefesos. Acho que não se perderia o foco.
    Há muito tempo conversei com uma ONG no meu bairro que da cursos para cegos. Via o perigo que corriam(e ainda correm) indo e vindo para este lugar. Me disseram que “é assim mesmo, não dá para fazer nada…”
    Depois conversei com um cadeirante que trabalhava em uma ONG cujo o foco era cadeirantes. O pensamento deles era o mesmo: “ó vida, ó ceus”.
    Além disso temos, escolas, asilos, e etc. São muitos os lugares em que se encontram cidadãos que não usam carro.

    2) Supondo que o “Manifesto dos Invisíveis” tenha o apoio de 3 milhões de pessoas. E agora, o que fazer com esse calhamaço de assinaturas? Francamente não estou entendendo qual é o plano/estrategia dos ciclistas. Juntar o pessoal as sextas para pedalar é bacana mas não traz resultados.
    Considerando os objetivos citados em http://www.bicicletada.org/O+que+e, na prática as ações de vocês são fracas ou talvez inexistentes.

    Em (2) não tenho intenção de atacar ninguem.

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