Carlos Aranha - Foto: Vá de Bike

Como foi o Seminário sobre Mobilidade Urbana na Câmara de SP

Relato do seminário “A Mobilidade Urbana e os modais não-motorizados”, que aconteceu no Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo, em 16/09/2011. Saiba quem participou e o que foi apresentado no evento.

Foto: Vá de Bike

Relato do seminário “A Mobilidade Urbana e os modais não-motorizados”, que aconteceu no Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo, em 16 de setembro de 2011. O Vá de Bike cobriu o seminário em tempo real, via twitter.

Debatedores:

  • Asuncion Blanco, coordenadora do GT Mobilidade Urbana da Rede Nossa São Paulo
  • João Ribas, coordenador de área de Diversidade & Inclusão da Serasa Experian
  • Sérgio Faria, consultor de inclusão e coordenador de projetos de TI da Accenture
  • Carlos Aranha, coordenador de participação pública da Ciclocidade
  • Patricia Gejer, analista de segurança viária do CESVI Brasil e representante do Movimento Chega de Acidentes.

Coordenando a mesa estava Marco Nordi, do Movimento Nossa São Paulo.

Asuncion Blanco

Marco Nordi e Asuncion Blanco - Foto: Vá de Bike

A primeira apresentação foi a de Asuncion, abordando principalmente a mobilidade do idoso e comentando sobre risco de quedas no ambiente urbano e suas consequências. Foram exibidas diversas imagens de calçadas problemáticas, com degraus, inclinação, portões de casa avançando no espaço público e impedimentos à circulação como guaritas, mesas e cadeiras, bancas de jornais. Em alguns casos, até o mobiliário urbano atrapalha a circulação e oferece riscos ao pedestre.

Asuncion também mostrou fotos de calçadas inclinadas que possuem corrimões, auxilia o pedestre, principalmente o de idade mais avançada ou com alguma limitação de mobilidade – desde que corretamente instalado, como ressaltou em uma das imagens.

Blanco mostrou os números de protocolo do SAC da Prefeitura para todas as imagens exibidas, pois os problemas devem ser denunciados se quisermos que a cidade mude. Segundo ela, pode até levar anos para resolver o problema em alguns dos casos, mas ele por fim é atendido. E essa é uma das maneiras de mudarmos nossa cidade: oficializando e protocolando nossas reclamações, cobrando atuação do poder público. Finalizou com algumas sugestões para melhorar a mobilidade para o idoso.

A apresentação de Asuncion Blanco está disponível aqui (no site da Rede Nossa São Paulo).

Sergio Ramos de Faria

Sergio Faria. Foto: Vá de Bike

Sergio, que sentou-se à mesa com seu cão guia, teve como tema a mobilidade da pessoa com deficiência, especialmente a visual.

Explicou por que os orelhões são um risco ao deficiente visual, sugerindo que sejam substituídos por outra solução (cabines, por exemplo). São obstáculos de certa forma “aéreos”, difíceis de serem previstos com a bengala e ignorados por cães guia treinados no exterior, onde não existe esse tipo de mobiliário urbano.

Lixo na rua, além de constituir obstáculo, representa risco de queda. E calçadas quebradas ou com muita irregularidade fazem o deficiente visual ter que descer ao leito carroçável, colocando-se em risco em meio aos veículos.

Sergio também comentou bastante sobre o piso tátil e algumas boas práticas de implementação, relatando situações em que o piso leva seu usuário a colisões com obstáculos aéreos e até corrimões de escada. Também comentou sobre obstruções no piso tátil, prejudicando e muito a mobilidade de quem dele depende.

Comentário do Vá de Bike: uma bicicleta bem regulada torna-se silenciosa e pode ser perigosa para um deficiente visual ou qualquer pedestre que atravesse a rua distraidamente. Nessas horas é o veículo, ainda que não-motorizado, quem pode e deve evitar o acidente (o maior cuida do menor, como reza a lei e o bom senso). Ciclistas, fiquem atentos aos pedestres e usem a “trim-trim” quando for necessário alertar alguém sobre sua presença!

João Ribas

João Ribas. Foto: Vá de Bike

João Ribas, com décadas de experiência com acessibilidade, expôs sobre a mobilidade da pessoa com deficiência, especialmente os cadeirantes.

Contou a história de um cadeirante que leva 4 horas no deslocamento para o trabalho (e o mesmo tempo depois para a volta). O rapaz mora longe e, além das três conduções, ainda precisa se deslocar por um longo trecho em sua cadeira de rodas, pois não há linhas de ônibus acessíveis (com piso baixo) próximas ao seu local de trabalho. Ribas comentou que as calçadas são tão ruins na cidade que os cadeiras têm como prática usar a rua, tendo que se colocar em risco em meio aos veículos.

Comentário do Vá de Bike: Já presenciei carros buzinando loucamente para um cadeirante que além de não ter conseguido terminar a travessia antes que o sinal abrisse, ainda precisou usar a faixa da direita para se deslocar. Talvez tenham se irritado mais ainda por ele ser morador de rua, pessoas consideradas por muitos como sem direitos, ou mesmo como “não-pessoas”. Acabei fazendo “sombra” para ele com a bicicleta até que conseguisse passar pelos carros estacionados e se aproximar mais da guia.

Na palestra de João Ribas, houve várias frases importantes para entendermos melhor que a cidade é de todos e que somos todos um único organismo social. Explicou que todos dependem de todos, que os trabalhos dos cidadãos são responsáveis em conjunto pelo funcionamento da cidade e da sociedade. “Como somos interdependentes, temos que viver num ambiente que seja bom para todos”.

Pensando nos outros e colaborando com todos, beneficiamos a nós mesmos. Tornar a cidade acessível é inclusão. E melhora a cidade para todos, não só para os deficientes. “Como uma pessoa surda faz para acordar de manhã, se não ouve o toque do despertador?”. Explicou que há dúvidas das pessoas sem deficiência ou restrição de mobilidade sobre detalhes do cotidiano. Comentou que é preciso conhecer melhor a rotina e as dificuldades dos deficientes, para saber como fazer uma cidade para todos.

“A diferença, na verdade, é a riqueza da humanidade”. Perfeito!

Carlos Aranha

Carlos Aranha - Foto: Vá de Bike

Representando a Ciclocidade e os ciclistas urbanos, Carlos Aranha iniciou mostrando que apenas 30% da população se desloca em transporte individual motorizado. Apesar de 33% dos deslocamentos são a pé e 37% em transporte coletivo, a cidade é construída prioritariamente para atender o deslocamento em automóvel.

Aranha exibiu diversas fotos com maus exemplos no uso de calçadas e faixas, até mesmo pela PM e CET, que deveriam dar o exemplo. Com veículos oficiais desrespeitando o espaço do pedestre, o cidadão comum tende a desrespeitar também, pois a regra e a lei não lhe parecem ser levadas a sério.

Comentário do Vá de Bike: No mesmo dia, na Av. Paulista, um carro oficial de um município do interior fez uma conversão proibida, debaixo do nariz de um agente da CET com o qual eu conversava. Ele anotou a placa, dizendo que passaria a informação adiante na cadeia de comando, mas que só resultaria em uma reprimenda, infelizmente. E comentamos como esse mal exemplo faz com que o cidadão comum se sinta no direito de também desrespeitar a sinalização e a lei. “Você viu? Junto com esse viraram mais dois. Até agora ninguém estava fazendo isso aqui”, comentou o agente.

Carlos mostrou em imagens que a sociedade reconhece como pessoa de sucesso quem tem carro. E péssimos exemplos na publicidade, que estimulam até a agressividade no trânsito. Comentou sobre a lei de trânsito e a bicicleta, ressaltando que ela é um veículo que pode e deve usar as ruas, com preferência sobre os veículos automotores.

Mostrou ainda que a bicicleta é mais utilizada a trabalho (71%). Apenas 4% dos deslocamentos são por motivo de lazer, ao contrário do que muita gente pensa, ao afirmar que lugar de bicicleta é no parque. Afirmou que muita gente não vai de trem, metrô ou ônibus porque a estação ou terminal fica longe para ir a pé, mas a uma distância considerada curta para uma bicicleta. Havendo integração e/ou bicicletários, essas pessoas poderiam deixar o carro em casa para fazer uma viagem multimodal.

Para resolver, precisa de ciclovias? Em alguns locais sim, como avenidas de grande fluxo, mas o essencial é compartilhar o espaço. Respeitar o artigo 201 do Código de Trânsito, que determina a distância de 1,5m ao ultrapassar um ciclista, junto com o artigo 220, que obriga a reduzir a velocidade ao realizar essa ultrapassagem, resolveria a questão em todas as situações.

O foco dos agentes da CET não deveria ser rodízio e zona azul, que objetivam a fluidez, mas garantir respeito à vida e segurança a todos os usuários das vias. Lembrou que isso vem ocorrendo aos poucos, com a campanha de proteção ao pedestre, a diminuição da velocidade das vias e outras iniciativas, mas que a mudança ainda é tímida.

Carlos mostrou fotos de cidades onde condições climáticas extremas, aclives e outros motivos comumente apontados para não se incentivar o uso da bicicleta não restringem esse uso. Comentou também que, apesar de a bicicleta ser atendida pelas secretarias de Verde e Meio Ambiente e de Esportes e Lazer atenderem a bicicleta, a Secretaria Municipal de Transportes (SMT) deve atender a bicicleta como veículo, como transporte, como parte do trânsito.

“Enquanto o poder público não faz, os cidadãos fazem”, disse Carlos Aranha, mostrando cenas de ativismo, em que ciclistas realizam ações nas ruas exigindo o cumprimento da legislação, o fim da impunidade, respeito a sua opção de deslocamento e segurança para realizá-lo. Encerrou dizendo que “uma cidade boa para deficientes, boa para ciclistas, é uma cidade mais harmônica e melhor para todos”.

A apresentação de Carlos Aranha está disponível aqui.

Patricia Gejer

Patricia Gejer. Foto: Vá de Bike

Patricia Gejer contou sobre o movimento Chega de Acidentes, que tem como um dos objetivos a implantação de um Plano Nacional de Segurança Viária e falou sobr eo abaixo assinado que o movimento está produzindo para ser entregue às autoridades.

Mostrou em números que o Brasil tem MUITO mais fatalidades no transito que outros países: temos o dobro de fatalidades por veículo que a Argentina, quatro vezes mais que os EUA e oito vezes mais que o Reino Unido. Em 2009, foram 37.600 mortos e 123.500 feridos. Números vergonhosos. O impacto econômico estimado, para 2009, foi de R$ 34 bilhões. Esse valor corresponde, por exemplo, ao custo estimado do trem bala SP-RJ (e olha que esse trem vai sair bem caro).

Patrícia mostrou também ações do movimento, como totens instalados em ruas de grandes cidades que mostram um contador com o número de mortes no trânsito naquele dia. O movimento também realiza campanhas, palestras e eventos sobre o tema. Também foi exibido um vídeo com Mara Gabrilli para a campanha, contando como um acidente de trânsito mudou sua vida.

A apresentação de Patricia Gejer está disponível aqui.

Considerações finais

Nas considerações finais, Carlos Aranha lembro que “todos temos por obrigação ser agentes da mudança” e que “ao não reclamar, estamos sendo coniventes”. Cidadãos devem usar o telefone 156 ou o site do SAC, ambos da Prefeitura, o 1188 (CET) para problemas de trânsito, sinalização, veículos sobre a calçada e, em último caso, a Ouvidoria da Câmara Municipal, quando esses dois primeiros recursos não resolverem.

Asuncion convocou os cidadãos a vez ou outra anotarem no seu percurso os problemas encontrados nas calçadas, para denunciar no site do SAC prefeitura. Anote endereço, data, hora e descrição do problema, para informar no telefone 156 ou no site.

Carlos Aranha explicou também por que nem sempre um “acidente” é realmente acidente. Muitas vezes é crime, porque poderia ter sido evitado mas foi causado por comportamento irresponsável, apesar do claro risco nesse comportamento.

Participação do público

Ao final, o microfone foi disponibilizado ao público presente, que manifestou sua opinião quanto ao tema, com comentários da mesa. Willian Cruz, do Vá de Bike, aproveitou a oportunidade para responder a algumas das dúvidas e preocupações sobre o uso da bicicleta nas ruas, levantadas pelos cidadãos presentes.

Veja também um relato sobre o seminário no site da rede Nossa São Paulo.

2 comentários em “Como foi o Seminário sobre Mobilidade Urbana na Câmara de SP

  1. Muito bom o relato, bom mesmo. Fiquei curiosa pra saber se houve algo como um “encaminhamento oficial” com propostas para intervenção do poder público a respeito dos problemas relatados ou mesmo uma lista de atitudes que podemos ter no cotidiano a fim de contribuir com melhoria da mobilidade. A idéia não é burocratizar nada, mas penso que sistematizar questões-soluções nos ajuda a agir de forma mais clara e verificar se alcançamos os objetivos.

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