Assembléia geral ao final do Fórum reuniu centenas de pessoas de várias cidades brasileiras. Foto: Divulgação

Um resumo do Fórum Mundial da Bicicleta, em Porto Alegre

Nesse primeiro artigo de nossa série, um apanhado do que aconteceu no FMB 2013, para entender a importância do evento e o legado dessa edição.

Bicicletário ficou lotado na Casa de Cultura Mário Quintana. Foto: Divulgação
Bicicletário ficou lotado na Casa de Cultura Mário Quintana. Foto: Divulgação
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Assista em vídeo um o resumo do que foi o Fórum

Oficina Comunitária Cidade da Bicicleta

Mobicidade – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta

Com o lema “Pedalar para transformar”, a capital gaúcha recebeu em fevereiro de 2013 a 2º edição do Fórum Mundial da Bicicleta (FMB), encontro que acontece anualmente na mesma data em que Ricardo Neis protagonizou o atropelamento da Massa Crítica de Porto Alegre, em 2011. O caso mobilizou milhares de pessoas ao redor do mundo e foi o grande impulsionador para a existência do Fórum.

Oficina de Bike Polo na programação do FMB. Foto: Germano Zaffalon
Oficina de Bike Polo na programação do FMB. Foto: Germano Zaffalon

Foram quatro dias de diversas atividades concentradas na Casa de Cultura Mário Quintana, centro da cidade, entre painéis com grandes nomes internacionais do cicloativismo, oficinas autogestionadas, exposições, shows, pedaladas, mostra audiovisual e até uma vivência de Bike Polo – esporte inspirado no polo a cavalo, que é praticado sobre bicicletas e ganha cada dia mais adeptos no Brasil. Todas as atividades foram gratuitas e abertas à população, atraindo mais de 7 mil pessoas, de várias partes do mundo.

“Pra mim o segundo Fórum Mundial foi a melhor experiência relacionada a bicicleta que já aconteceu no Brasil. Em termos de experiências e conhecimentos acho que foi inédito, muito melhor que a primeira edição e muito melhor do que qualquer encontro que tenha acontecido no Brasil”, comemorou Thiago Benicchio, diretor da Ciclocidade/SP e um dos convidados do evento.

Em 2012, o convidado internacional foi Chris Carlsson, um dos precursores da Critical Mass em São Francisco/EUA, que completou 20 anos de existência. Esse ano, os convidados foram Mona Caron (artista plástica também de SF), Caroline Samponaro (NY, EUA), Laura Marcela Acuña (Bogotá, Colômbia), Amarilis Horta (Chile) e Galo Cárdenas (Equador). Dos brasileiros nomes como, Thiago Benicchio (SP), Daniel Guth (SP), Danielle Simas (RJ), Arturo Alcorta (SP), Renato Zerbinato (Brasília), Ricardo Correa (SP), entre outros.

Todas as atividades tiveram lotação máxima, demonstrando o sucesso do evento e o alto nível das discussões. “A cultura da bicicleta se consolida cada vez mais nas cidades e por isso o teor das discussões foi para além da necessidade de pedalar ou da bicicleta como alternativa de mobilidade urbana. Partindo da bicicleta, se discutiram alternativas de construção de políticas públicas, seja via poder público ou via mobilização da sociedade civil”, afirmou Lívia Biasotto, uma das integrantes do coletivo que organizou o Fórum.

Oficina “A construção da UCB – União dos Ciclistas do Brasil”. Foto: Divulgação
Oficina “A construção da UCB – União dos Ciclistas do Brasil”. Foto: Divulgação

“Tiveram muitas perspectivas diferentes, não só de como fazer as bicicletas serem inseridas na cidade, mas também de como fazer as cidades serem espaços diferentes. Fico muito feliz de ter participado”, conta Benicchio.

Assembléia geral ao final do Fórum reuniu centenas de pessoas de várias cidades brasileiras. Foto: Divulgação
Assembléia geral ao final do Fórum reuniu centenas de pessoas de várias cidades brasileiras. Foto: Divulgação

Organização Coletiva

Uma das características mais marcantes do evento está justamente nos bastidores. Toda a organização que articulou e viabilizou o Fórum é formada por um grupo multidisciplinar de aproximadamente 20 pessoas – sem vínculo com nenhuma grande marca – que trabalhou de forma horizontal, comunitária, coletiva e colaborativa para a realização do encontro. Inclusive utilizando financiamento público, via crowdfunding, que possibilitou pelo segundo ano consecutivo viabilizar a ida de convidados estrangeiros com dinheiro doado por pessoas e empresas de diversas partes do Brasil – num total de mais de 15 mil reais arrecadados.

“A organização voluntária e colaborativa do Fórum Mundial da Bicicleta é uma oportunidade de potencializar o engajamento das pessoas em relação à causa. As pessoas doam, mais que recursos, seus conhecimentos e contatos, e todas essas competências são reunidas e organizadas para viabilizar o fórum”, informou Lívia Araújo, outra integrante do comitê organizador. Segundo ela, a vantagem desse tipo de formato é que graças ao engajamento e apoio de pessoas e empresas (exclusivamente via crowdfunding), o evento não dependeu de patrocínio para ser realizado, cenário que normalmente impõe exigências ou restrições. “Apesar de sermos todos voluntários, existe um comprometimento imenso e contagiante que faz com que tudo funcione”.

As reuniões que antecederam o Fórum eram públicas e abertas, normalmente realizadas no espaço chamado Cidade da Bicicleta, localizado no bairro Menino Deus. Qualquer pessoa interessada em contribuir com o evento poderia participar. Além das reuniões presenciais, havia ainda um canal online onde o fórum também era discutido com representantes de outras cidades para, assim, ir tomando corpo e forma dentro da diversidade que o tema exige.

Outra iniciativa interessante foi a rede de “Hospedagem Solidária” que facilitou a ida de muitos participantes à cidade, na medida que, em vez de hotéis e pousadas, eles tinham a opção de se hospedar em casas de voluntários dispostos a receber gente. “A vantagem desse tipo de serviço vai muito além da economia: as pessoas que nos receberam foram muito receptivas, solidárias, nos acolheram, nos deram atenção, nos levaram para conhecer a cidade e as particularidades que só quem vive nela conhece. Fomos super bem recebidos em ambientes que pareciam ser a nossa própria casa e família”, disse Silvia Ballan, que foi no “bonde” de São Paulo participar do FMB pela primeira vez.

 

Destaques

Em meio a uma programação extensa e com debates relevantes, duas oficinas foram especialmente inspiradoras, tanto pelo assunto tratado quanto pela possibilidade de ouvir relatos e visões diferentes da nossa realidade brasileira.

Caroline Samponaro, uma das diretoras da Transportation Alternatives, participou de uma sessão comentada do documentário “Ruas Disputadas”, que mostra como Nova York superou o “carrocentrismo” e levou a pauta da bicicleta para as ruas da cidade. “Hoje Nova York possui cerca de 480 quilômetros de ciclovias e uma política muito favorável à bicicleta, graças ao trabalho de cicloativistas dentro do poder público. Ainda assim, não existe nenhuma política concreta que busque reduzir o uso do automóvel. Há inclusive nova iorquinos que são absolutamente contrários à ideia da bicicleta, pois acreditam que as ruas foram feitas para os carros”, explicou Caroline durante a sessão. “O tráfego não é como o clima, é algo que podemos estudar e mudar”.

Caroline Saponaro, da Transportation Alternatives. Foto: Divulgação
Caroline Saponaro, da Transportation Alternatives. Foto: Divulgação

A instituição atua desde 1973 e hoje conta com mais de 10 mil membros. Sua missão é retomar as ruas dos automóveis e devolvê-las às pessoas. A Transportation Alternatives teve e tem um papel fundamental na transformação que vem acontecendo nos últimos anos em Nova York. “Nós prestamos uma espécie de ‘consultoria’ para o governo sem receber nenhuma verba pública, justamente porque entendemos que isso geraria conflito de interesses”.

"Asas": painel de Mona Caron na Praça do Ciclista, pintado em novembro de 2007 e apagado em menos de um mês pela Prefeitura de São Paulo. Foto: Thiago Benicchio.
“Asas”: painel pintado por Mona Caron na Praça do Ciclista, em nov/2007, foi apagado em menos de um mês pela Prefeitura de São Paulo. Foto: Thiago Benicchio.

Já a participação da artista plástica residente em São Francisco (EUA), Mona Caron, mexeu com a vida de quem estava presente, provocando até lágrimas de emoção em muitos deles. Em sua fala e seus desenhos, a paixão explícita de quem acredita no poder de transformação a partir do sentimento de apropriação das pessoas pela sua própria cidade. As telas de Mona são os muros em espaços públicos e sua inspiração é o cotidiano simples e despretencioso da vida. “Gosto de estimular os encontros casuais entre as pessoas nas ruas, de valorizar o escondido aos nossos olhos, de provocar a reflexão através da arte”.

“A conversa com a Mona Caron foi o auge do Fórum pra mim. Descrevendo seu dia, seu mundo, Mona contou como aproximou as pessoas de sua arte enquanto trabalhava por dias e meses em cada canto da cidade. Foi através do sentimento que ela atraiu as pessoas para perto e fez cada um participar ao seu modo para um bem comum – uma cidade mais humana. Eu simplesmente só tenho palavras bonitas e lembranças de um mundo melhor depois desse evento”, conta Silvia Ballan.

Mona Caron mostrou como a arte e a bicicleta podem ser o ponto de partida de uma transformação cultural. Foto: Divulgação
Mona Caron mostrou como a arte e a bicicleta podem ser o ponto de partida de uma transformação cultural. Foto: Divulgação

Outras oficinas também se destacaram por ter compartilhado algumas ideias e projetos que estão sendo desenvolvidos em diversas cidades brasileiras, considerando suas geografias e particularidades, demonstrando que não existe regra a ser seguida. “Houve debates com a UCB (União de Ciclistas do Brasil), a implantação da ferramenta Bike It, que mapeia como estabelecimentos tratam o ciclista, apresentação do ‘Ciclobservatório’, que pretende ser uma ferramenta de catálogo de informações públicas relacionadas às políticas de mobilidade urbana no Brasil, entre tantas outras palestras legais”, lembra Ballan.

“Cidades Amigas da Bicicleta” foi o primeiro painel do 2º Fórum Mundial da Bicicleta. Foto: Divulgação
“Cidades Amigas da Bicicleta” foi o primeiro painel do 2º Fórum Mundial da Bicicleta. Foto: Divulgação

Rumos

O FMB terminou com saldo positivo, muita energia e inspiração de mudança. Por isso a ideia agora é poder levar o evento para ser realizado em outras cidade Brasil a fora. O coletivo organizador está recebendo nomes e propostas de outras localidades que tenham vontade de sediar o encontro, com a única exigência sendo justamente conseguir manter seu formato horizontal, colaborativo, independente e livre de gestão.

“Não queremos ser lembrados pela tragédia provocada por Ricardo Neis em fevereiro de 2011, queremos sim continuar trabalhando para que mais pessoas possam pedalar e viver suas cidades da maneira que decidirem, com segurança, liberdade e respeito. A organização do FMB convida a todos a participar do Fórum Mundial da Bicicleta Online, um fórum para a organização dos futuros eventos, um local para continuarmos em contato, mobilizando e unindo forças para transformar o mundo naquilo que sonhamos”, explica Marcelo Kalil.

Leia também a Carta-Manifesto, que traz algumas diretrizes do Fórum Mundial da Bicicleta e a visão do que se entende de uma cidade humana e cicloamigável.

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4 comentários em “Um resumo do Fórum Mundial da Bicicleta, em Porto Alegre

  1. Não sei se a motivação e o estudo do acidente provocado pelo Ricardo Neis, permeou o segundo. Aliás agora com a diminuição da pena, creio que acho pertinente, elevar ou aprofundar os estudos e melhorar o entendimento sobre a bicileta nas grandes aglomerações humanas e o legislativo.
    Estamos indo a um nível de integração com a sociedade maior, e, por isto temos que nos envolver em outros aspectos da sociedade.

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  2. Creio que Porto Alegre tem um simbolismo especial na construção deste fórum e acho que deveria continuar sendo realizado lá. Acho que outras cidades poderiam fazer outros eventos ou que o fórum fosse de forma alternada (um ano em Porto Alegre e um ano em outra cidade).

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