Como a indústria do automóvel faz você sustentá-la pelo resto da vida

Sorria, você está sendo escravizado

"É uma cilada, Bino".
Carro a R$ 10 por dia?
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Aí a pessoa tá dentro do ônibus, vê o jornal pendurado na banca com essa falsa capa e pensa: “Tá aí, já gasto quase isso de condução mesmo, é na hora de comprar um carro. Afinal, carro é investimento, se eu precisar posso vender. E uma hora também eu paro de pagar, então mesmo que eu gaste um pouquinho a mais agora, ainda compensa porque no fim eu tenho um bem.”

E é exatamente a essa análise rasa que uma propaganda dessas tenta induzir.

Custa bem mais do que parece

Quem não tem um carro e vê uma propaganda dessa, pensa diretamente no valor da passagem do transporte coletivo, afinal os valores são mais ou menos parecidos. E não percebe que vai gastar bem mais com o carro do que gasta hoje com a condução.

Primeiro porque o “a partir de R$ 10 por dia” pode ser mais que os R$10 por dia, sobretudo porque esse valor é para o carro mais barato, pelado, sem nem retrovisor do lado direito, que provavelmente nem estará em estoque, e que o vendedor vai te convencer a comprar um modelo mais caro.

Segundo porque vai gastar esses R$ 10 reais por dia também nos dias em que ele não gastaria com transporte público.

Por fim, é grande a chance dele não gastar tanto de condução quanto lhe parece ao ver a propaganda, porque recebe um vale-transporte que cobre parte desse custo.

Carro não é investimento

Quem vê essa propaganda também não vai lembrar que não são só os R$ 10 por dia: um carro precisa de combustível, mecânico, eletricista, funileiro, reposição de peças, troca de óleo, estacionamento, seguro, lavagem, consertos e troca de pneus, som, alarme, extintor, jogo de tapete e mais um monte de coisas que felizmente eu já não lembro.

Pensa que vai recuperar esse valor quando vender o carro, mas esquece que ele é o único “investimento” que dá todos esses custos e na hora do resgate ainda vale muito menos que o aporte inicial. Principalmente quando é financiado, pois se paga muito mais do que vale o produto (mas muito mesmo!).

E é aí que entra o segundo ponto.

Faz-se um empréstimo sem perceber

Você não apenas compra um carro, mas faz um empréstimo para poder comprá-lo. E pouca gente percebe isso. Talvez essa pessoa do nosso exemplo até esteja mesmo convencida de que precisa de um carro, mas… será que ela precisa também de um empréstimo?

Os fabricantes de automóveis sabem que, na maioria dos casos, se as pessoas não contraírem um empréstimo não vão conseguir comprar o carro que eles estão vendendo, já que ele não é barato. E o preço é definido pelo valor que trará maior lucro, não pelo que o produto vale, ou pelo valor que resultaria em mais unidades vendidas. Ou seja, cobram o quanto sabem que o consumidor topa pagar.

Garantindo a próxima venda

E quando esse cidadão, que com uma propaganda dessas decidiu embarcar embarcar nesse financiamento, pensa que um dia vai se ver livre dele, não percebe que antes disso já estará comprando outro carro e escravizando-se novamente.

Em parte, fará isso porque foi convencido de que é preciso ter o modelo novo pra continuar sendo alguém, mas também porque o produto que comprou foi projetado com peças que duram apenas alguns poucos anos – mesmo havendo, há muito tempo, tecnologia pra fazer um veículo muito mais durável que isso.

E para garantir que a pessoa não perca essa “oportunidade incrível”, muitos boletos vêm com uma folha que dá desconto na troca por um carro novo, estrategicamente posicionada perto do final das parcelas que a vítima está pagando.

Mas apesar disso ela segue, pagando o dízimo da montadora por toda a vida e mostrando que conseguiu ser alguém, medindo a vida pelo que se tem (ainda que esteja no nome do banco) e não pelo que se faz dela.

Tenho certeza que esse fenômeno social será estudado por historiadores no futuro, como algo que prejudicou por um século os cidadãos que viviam sob o capitalismo do final do século XX e início do XXI.

Nossos políticos conseguiram fazer um bom trabalho para as montadoras desde a metade do século passado. Nos empurraram ao uso do automóvel, jogando a todos nós nessa cilada.

Adequaram as cidades para quem tem carro, em detrimento de quem usa transporte público, bicicleta ou os próprios pés. Desmontaram nossas ferrovias e ignoraram o potencial hidroviário, forçando o uso de rodovias para transportar alimentos, bens, pessoas. E tudo isso não foi por mero acaso.

Ajude a quebrar esse ciclo. Seja livre. Vá de ônibus. Vá a pé. Vá de bike.

33 comentários em “Como a indústria do automóvel faz você sustentá-la pelo resto da vida

  1. O que falta é educação financeira. Além disso, o brasileiro é exibicionista, gosta de estar sempre com carro zero pra mostrar pro vizinho.Assim como tênis de marca, celular caro, etc. Coisa de pobre mesmo.
    Nunca comprei carro zero. Com o valor de um popular pelado, compro um carro muito melhor com 4 ou 5 anos de uso.

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  2. É o velho ditado do tatu no toco a dinâmica urbana no Brasil. Se vc vir um pode saber que alguém que colocou. Pq tatu não sobe em toco.

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  3. nãp tenho carro há quinze anos, só bicicletas.
    e o capitalismo está aí, dessa forma, há 100 anos e não apenas nos últimos 50 anos.
    em nome de um monte de mentiras, já financiou tudo quanto é tipo de guerra que se possa imaginar.

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  4. [Comentário oculto devido a baixa votação. Clique para ler.]

    Esse comentário não tem feito muito sucesso. Thumb up 6 Thumb down 12

    1. Paulo, nunca afirmamos que a bicicleta é a solução para todos. Há casos em que ela pode não ser a melhor escolha. Quanto à situação do transporte público, cabe a nós, cidadãos, cobrar de nossos representantes eleitos as mudanças que precisamos. O que não podemos é nos acomodar com a situação sem avaliar alternativas. Se você as avaliou e considera sua escolha a melhor possível dentro das possibilidades existentes, perfeito.

      O que o texto levanta é principalmente em relação às armadilhas publicitárias e financeiras que nos convencem a não apenas ter um carro, mas ter sempre o modelo mais novo, mais bonito, mais veloz e, pior, acima do que aceitaríamos pagar se fizéssemos as contas e incluíssemos todos os custos. O carro, bem utilizado, é uma ferramenta incrível. Mas não deve passar a representar nossa personalidade, nosso status social, nosso sucesso na vida e, em última análise, uma medida de felicidade. A vida é muito mais.

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      1. É só parar pra pensar: o transporte público ser ruim é só uma ação no projeto de crescimento e fortalecimento da indústria automo-bélica.

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      2. Olá Willian, concordo plenamente com o que você colocou em sua resposta. Eu comprei minha magrela faz mais de um ano e tentei inclui-la como meio de transporte, mas devido a região onde moro e a região onde trabalho, infelizmente não se tornou viavel (precisaria morar em outro bairro). Tive um carro, vendi para adotar o transporte publico (considerando que, claro, bem antes de ter esse carro sempre andei de onibus e metro, sempre me virei bem) e fiquei quase um ano sem carro, mas chegou num ponto critico em que, do local onde moro onde não há muitas opções de transporte, tive que por optar em voltar ao carro. Não pelo conforto, mas por ser uma alternativa, já que tanto o metro como os onibus estão tão saturados que as vezes para conseguir embarcar, é preciso voltar ao ponto de origem para então pegar sentido o destino que pretendo ir.

        Obrigado pela resposta.

        Abraço!

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        1. Olá Paulo, um dos objetivos na minha vida é conseguir um emprego perto de casa ou uma casa perto do trabalho. Você não arrumaria um emprego na França morando no Brasil porque não existe transporte que lhe permita fazer isso, então porque perder horas no trânsito e ser explorado e oprimido quando, apesar de difícil, você tem a alternativa de se mudar ou mudar de emprego. Eu na sua situação avaliaria se isso é o melhor pra mim. Meu pai trabalha a 30 anos numa empresa a 50km de casa, indo e voltando de carro. O tempo livre e o dinheiro gasto por ele nessa escolha me fez enxergar essa necessidade na minha vida e a prioridade que ela tem sobre outras decisões (como valor do imóvel mais próximo ou um salário menor para morar mais perto). Boa sorte com as suas escolhas, porque você faz escolhas. Abraço.

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    2. Paulo, se lembre que os ônibus não fazem parte das viagens previstas por causa di engarrafamento. No Recife, por exemplo, 1/3 das viagens não são feitas. Ou seja, se tirar o ônibus do engarrafamento, sua capacidade aumenta instantaneamente.

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  5. Muito melhor e mais barato é eventualmente alugar um carro, numa viagem, por exemplo. Infelizmente ainda preciso manter meu carro a duras penas pois minha mulher e filho ainda não atingiram o estágio evolutivo da bike! Parabéns pelo artigo.
    Jomar Souza – Médico e ciclista urbano – Salvador/BA

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