Um motorista é multado a cada 21 minutos por colocar ciclistas em risco em São Paulo

Veja quais as infrações e como evitá-las. Autuações em 2014 tiveram aumento de 67% em relação a 2013 e foram aplicadas a quem colocou vidas em risco nas ruas.

Faixa na região do Paraíso, em São Paulo. Foto: Michele Mamede
Faixa instalada pela CET em 2012 na região do Paraíso, em São Paulo. Foto: Michele Mamede

Por Enzo Bertolini e Willian Cruz

A pedido do Vá de Bike, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) realizou um levantamento sobre o número de autuações aplicadas em 2014 a motoristas que não respeitaram ciclistas. De janeiro a dezembro, 24.981 autuações foram registradas em diferentes artigos que tratam da proteção à vida de quem se desloca em bicicleta – um crescimento de 67% em relação a 2013, que contabilizou um total de 14.973 multas.

A fiscalização é feita levando-se em consideração diversos artigos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que abordam a bicicleta, ciclovias e segurança para ciclistas (mais detalhes no box abaixo). Os números correspondem a um motorista multado a cada 21 minutos – e isso se considerarmos haver autuações 24 horas por dia.

De acordo com a CET, este trabalho faz parte do Programa de Mobilidade por Bicicleta, cujo objetivo é promover ações permanentes de educação e fiscalização no trânsito com enfoque para a proteção aos espaços sinalizados para ciclistas.

O monitoramento e a fiscalização das infrações de trânsito cometidas por motoristas nas ciclovias é feito por agentes de trânsito e guardas civis municipais. Além disso, existe o incremento no parque de fiscalização eletrônica de invasão de ciclovias, onde os radares fiscalizam a invasão de veículos motorizados em ciclovias/ciclofaixas e também a velocidade máxima permitida nos eixos onde existem espaços segregados para ciclistas.

A campanha também intensificou as ações educativas dos orientadores de travessia. Eles atuam no sentido de alertar os usuários para as novas condições de circulação na via e estimular a atenção redobrada dos ciclistas, pedestres e demais agentes envolvidos no trânsito que percorrem a região nesta nova configuração implantada após a sinalização da ciclovia.

Quais são as multas e como evitá-las

Veja no box abaixo quais são os enquadramentos, quando são aplicados e como evitar as multas. Além de evitar autuações, os procedimentos indicados também evitam situações de risco que podem resultar em ferimentos, lesões permanentes e mortes. Importante citar que essa fiscalização é resultado direto de ação do coletivo Cicloliga, do qual o Vá de Bike faz parte. Veja como a ação começou, em 2012.

Enquadramento 520-70

Dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis à segurança. É o motorista que dirige sem atenção ou cuidado colocando em risco a segurança do ciclista, do pedestre, de motociclistas e outros motoristas. É mais abrangente porque enquadra todo tipo de condutor. De acordo com o artigo 169 é uma infração leve, que rende três pontos na CNH e multa de R$ 53,20.
2013 = 5.561 multas
2014 = 15.379 multas

Na prática: a multa é aplicada a quem passa perto demais de um ciclista (a menos de 1,5m, ou seja, sem mudar de faixa), mas também a quem joga o carro ou moto em cima da pessoa que está na bicicleta ou pratica outras formas de ameaça que intimidem ou coloquem em risco quem está pedalando.

Como evitar: mude de faixa ao ultrapassar o ciclista; não force passagem; não buzine atrás do ciclista para que ele abra espaço; aguarde o momento seguro para ultrapassar.

Enquadramento 585-12

Deixar de deslocar, com antecedência, o veículo para faixa mais à direita quando for manobrar. Segundo o artigo 197 do CTB é uma infração média, punida com 4 pontos e multa de R$ 85,13.
2013 = 5.084 multas
2014 = 5.823 multas

Na prática: aplicada a quem fecha o ciclista para virar em uma rua, ou passa perto demais da bicicleta ao ultrapassar para fazer essa conversão, sem mudar de faixa.

Como evitar: quando precisar entrar em uma rua, estacionamento ou vaga, em vez de cortar o ciclista aguarde atrás, para que ele passe naturalmente pelo seu local de destino, como você faria com outro veículo lento que tivesse porte grande; muita atenção ao cruzar por sobre uma ciclovia para fazer uma conversão ou entrar em uma garagem, certifique-se de que não há ciclistas passando e lembre-se que muitas ciclovias são bidirecionais (há ciclistas indo e vindo).

Enquadramento 638-60

Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito ao ultrapassar ciclista. De acordo com o artigo 220 do CTB é uma infração grave, punida com 5 pontos na CNH e multa de R$ 127,69.
2013 = 21 multas
2014 = 20 multas

Na prática: é multado o motorista que ultrapassa o ciclista acelerando o carro ou moto, ou que passa ao seu lado em velocidade que o coloque em risco.

Como evitar: ultrapasse com cautela, mudando de faixa, e sem sair arrancando; quando passar ao lado de um ciclista, reduza em vez de acelerar, pois há risco de queda com o simples susto que resulta da ultrapassagem em alta velocidade.

Enquadramento 581-92

Transitar com o veículo em ciclovias/ciclofaixas. De acordo com o artigo 193 do CTB, é infração gravíssima, punível com 7 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 574,62.
2013 = 237 multas
2014 = 639 multas

Na prática: a autuação é feita a quem circula com o carro ou moto sobre uma ciclovia, seja para realizar ultrapassagens, virar em uma esquina ou para entrar em uma garagem ou estabelecimento. Também pode ser aplicada a quem estaciona sobre a ciclovia, pois foi necessário transitar sobre ela para estacionar e isso ocorrerá novamente ao retirar o veículo do local.

Como evitar: a ciclovia deve ser vista como uma calçada: cruze com o carro ou moto por sobre ela como seria feito em uma entrada de garagem, na perpendicular; não circule sobre a ciclovia para ultrapassar carros no congestionamento, nem para facilitar uma conversão ou retorno. Um ciclista pode ser atropelado nessas situações, sobretudo em ciclovias bidirecionais.

Enquadramento 545-23

Estacionar sobre ciclovias/ciclofaixas. De acordo com o artigo 181 do CTB, inciso 8, é uma infração grave, punida com multa de R$ 127,69 e 5 pontos na CNH.
2013 = 400 multas
2014 = 679 multas

Na prática: são multados os veículos estacionados sobre as ciclovias, sendo considerado estacionamento o desligamento do motor.

Como evitar: não estacione em ciclovias, nem mesmo durante a madrugada. Elas devem ser entendidas como uma área de circulação semelhante às calçadas. Um carro sobre a ciclovia faz o ciclista desviar pela faixa ao lado, onde ele não é esperado ou aceito por quem está em um automóvel – sobretudo quando isso obriga o ciclista a trafegar no sentido contrário à circulação dos demais veículos.

Enquadramento 566-50

Parar em local/horário proibido pela sinalização nas ciclovias sinalizadas com placa de proibido Parar e Estacionar. De acordo com o artigo 182, inciso 10, é uma infração média, punida com multa de R$ 85,13 e 4 pontos na CNH.
2013 = 3.670 multas
2014 = 2.441 multas

Na prática: a autuação é feita ao parar o carro ou moto sobre a ciclovia, mesmo que seja para um desembarque rápido.

Como evitar: faça o desembarque no lado oposto da via, quando possível; quando não for possível, desembarque mais adiante. Se for imperativo desembarcar ou descarregar exatamente em frente ao estabelecimento ou residência, deve ser utilizada a faixa adjacente à ciclovia, com o pisca-alerta ligado (seja breve). Parar sobre a ciclovia obriga os ciclistas a desviarem para a faixa adjacente – que pode, inclusive, ser contramão.

Uma Ghost Bike marca o local onde Márcia Prado foi levada pela intolerância. Foto: Willian Cruz
Uma Ghost Bike marca o local onde Márcia Prado foi morta por um motorista de ônibus que lhe aplicou uma “fina”. Foto: Willian Cruz

Por que multar?

O maior problema para quem pretende utilizar a bicicleta nas ruas hoje é, sem sombra de dúvida, a atitude de alguns maus motoristas que não aceitam a presença da bicicleta na rua e tentam punir o ciclista por isso, através da conhecida “fina educativa”, fechadas, buzinadas e ameaças com o ronco do motor e o tamanho do carro.

Esse tipo de comportamento assusta (e às vezes também fere, mutila e mata) quem está com a bicicleta na rua, afastando muita gente que gostaria de utilizá-la mas não tem coragem de encarar o trânsito. Também faz com que muitas pessoas optem por pedalar na calçada, onde se sentem mais seguros.

Os motoristas que respeitam a vida e as regras de trânsito não têm motivos para se preocupar.

Um metro e meio

O artigo 201 do CTB define a distância lateral de 1,5m ao ultrapassar ciclista. Mas decidiu-se utilizar o artigo 169 para autuar esse comportamento, por ser mais abrangente que o 201 e dar maior liberdade de atuação para o agente de trânsito. Além disso, um detalhe técnico da redação do artigo 201, que especifica a distância a ser mantida, resultaria em inúmeros recursos pedindo aferição da distância entre os veículos no momento da multa, fazendo com que elas fossem canceladas.

A bicicleta é um veículo que possui uma limitação de velocidade óbvia, que deve ser compreendida. Para ultrapassá-la, você deve fazer como faria com qualquer outro veículo lento que estivesse à sua frente, como um ônibus ou um caminhão carregado: mude de faixa e faça uma ultrapassagem segura.

Não quer esperar atrás da bicicleta? Tudo bem: reduza a velocidade, mude de faixa e ultrapasse. Não dá para ultrapassar, ou só tem uma faixa? Tudo bem: espere. Não é isso que vai lhe atrasar, mas sim o excesso de carros que você provavelmente vai encontrar mais adiante, ou pelo qual já passou ali atrás. Para entender melhor a importância de mudar de faixa ao ultrapassar uma pessoa numa bicicleta, leia este artigo.

Fiscalização a infrações será feita também em bicicletas na cidade de São Paulo. Foto: Priscila Cruz
Fiscalização a infrações será feita também em bicicletas na cidade de São Paulo. Foto: Priscila Cruz

Fiscalização em bicicletas

Agentes da CET de São Paulo passarão a realizar seu trabalho de fiscalização nas ruas utilizando também bicicletas, não somente nas ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas da cidade, mas também em ruas onde não há infraestrutura específica. A medida é importantíssima, por legitimar o uso da bicicleta em deslocamentos, colaborando com um entendimento mais amplo da população sobre seu direito de circulação nas vias, como veículo reconhecido pelo Código de Trânsito. Saiba mais aqui, em texto e vídeo.

Mas isso é justo? Afinal, os ciclistas não são multados

Essa é uma reclamação recorrente, muitas vezes utilizada como escudo de argumentação para se opor à autuação desses motoristas – que, vale lembrar, não são simples infratores que furaram um sinal vermelho, mas pessoas que estão gerando risco direto de morte para outros cidadãos, muitas vezes com ações propositais. Não há argumento que justifique proteger quem faz isso.

Embora saibamos que muitos ciclistas infringem leis de trânsito, principalmente ao furar sinais e pedalar nas calçadas, as infrações que são autuadas nesta fiscalização colocam diretamente em risco a vida de outras pessoas, por isso precisam ser priorizadas. Nada se comparar a um atropelamento por um automóvel de uma tonelada e em alta velocidade.

Mas se essa questão ainda lhe incomoda, tudo bem: a discussão sobre esse ponto foi aberta nesta página, participe. Também discutimos se essa fiscalização aos motoristas é justa nesta outra página, veja aqui.

14 comentários em “Um motorista é multado a cada 21 minutos por colocar ciclistas em risco em São Paulo

  1. Essa história parece a discussão do estatuto do desarmamento: “Ai, armas matam”! “Ai, carros matam”! Quem mata é quem possui a arma ou o carro, não o contrário! Liquidificador também fere os dedos, se for levar por esse lado! Argumento estulto pra vitimizar ciclista infrator e criminalizar a posse automotiva. A maconha comeu o juízo de quem comanda a mobilidade urbana? E ciclistas agredindo outras pessoas?

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    1. Continue tentando, e peça ajuda de outros ciclistas e simpatizantes, ligando para CET (1188 na opção 9, depois de ouvir a primeira frase ). O número de reclamações assusta a CET, e vai tomar uma atitude. O negócio é ir tentando. Fiz uma experiência numa avenida próxima de casa, toda vez que passeio meu cão, e, reparo que há carro parado na calçada ou na ciclovia ( pois esta avenida tem ciclofaixa ou ciclovia, termo que é meio confuso na CET, em todo caso, melhor conversar com a atendente. ), a CET tem fiscalizado e, talvez, multado. Após consistentemente 3 meses fazendo isto, praticamente não para carro na ciclovia ou na calçada. Porque quem para na ciclovia e calçada, são sempre os mesmos. Eventualmente, para um desavisado, mas isto é bom para também não parar na ciclovia ou calçada em outro lugar. O negócio é denunciar sempre, com o tempo o pessoal vai evitar parar na ciclovia e na calçada.

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  2. Dúvida: um carro me fechou e me derrubou, causando um acidente e a fratura da minha mão.

    Se eu tiver um vídeo identificando a placa do carro que causou o acidente, eu consigo processar o motorista ou de algum jeito fazer com que ele seja multado ou punido de outra forma?

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  3. Cabe esclarecer também que é permitida a circulação de bicicletas sobre a calçada conforme consta da RESOLUÇÃO Nº 465, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2013.

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  4. Motoristas que desrespeitam e expõe os ciclistas a risco devem ser punidos. Porém, os ciclistas também deveriam ler os artigos 58 e 255 do CTB. A lei é para todos.

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    1. Bom, a questão de furar o farol é sempre usado como “desculpa” para colocar os ciclistas num balde e generalizar tudo. E é sempre bom lembrar que furar farol vermelho não é exclusividade de ciclistas e que motoristas costumam furar com frequência maior até do que ciclista em grandes vias. E para parecer que não estou só jogando informação sem fundamento alguns vídeos que eu mesmo filmei durante minhas pedaladas:

      https://www.youtube.com/watch?v=NDSIPykhPtQ

      https://www.youtube.com/watch?v=3WqxakqBQzk

      Fica a reflexão.
      Abraços.

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  5. Comentando sobre a última pergunta da matéria “Mas isso é justo? Afinal, os ciclistas não são multados”. Concordo que não se compara ser atropelado por um carro e ser atropelado por uma bicicleta. Mas a condução imprudente de uma bicicleta pode sim colocar a vida de outros em perigo. Como fica o ciclista que ultrapassa o sinal vermelho e um carro precisa freiar bruscamente ou mudar de direção para não atropelar o ciclista?

    Acredito que o avanço das ciclovias são um sinal de que aos poucos estamos caminhando (ou pedalando?) na direção certa. Mas isso implica em responsabilidades para ambas as partes. Por exemplo, já vi várias vezes em países como Alemanha e o Holanda a polícia aplicando teste de bafômetro em ciclistas, nada mais justo. Afinal, um ciclista bêbado é potencialmente tão perigoso quanto um motorista bêbado. Mas creio que ao poucos estamos avançando =)

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  6. Oi, boa tarde

    Acho muito legal que a cidade esteja se equipando, inclusive dessas táticas, para encontrar um denominador comum em relação ao trânsito, às ruas e ao seu uso. Mas gostaria de saber como o motorista infrator pode ser denunciado, pois contando apenas com flagrantes a medida é menos eficaz. Em bairros mais “nobres” como a pompéia, alguns da zona norte ou mesmo no butantã, onde pedalei ontem, os motoristas são muito hostis e violentos com o ciclista, havendo inclusive xingamentos.

    Obrigado,

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    1. Realmente Vicente, moro na região do Butantã, faço o percurso até a minha casa todo dia de bike e o respeito não existe.

      Já perdi a conta de quantas finas educativas/buzinadas/xingamentos que eu levo mesmo estando correto, acredito que precisaria que a CET se atentasse bastante para regiões SEM CICLOVIAS com grande numero de ciclista que é o caso do Butantã, por estar próxima ao metrô e ter a USP no seu entorno muitos usam a bike e a ciclovia que OBVIAMENTE deveria existir na Corifeu de Azevedo Marques x Vital Brasil vai demorar ou nem existirá.

      Deixo um vídeo meu que mostra como é a realidade nesta parte do meu trajeto do Butantã. Tomo fina da CET, da POLICIA, de ÔNIBUS e de carros comuns particulares.
      https://www.youtube.com/watch?v=VMR__qK2p88

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    2. Sou usuário duas vezes por semana da ciclovia da Av. Escola Politécnica de ponta a ponta (da Roposo Tavares até a USP). Encontro frequentemente diversas irregularidades: motos circulando na ciclovia, carros estacionados e assim por diante. Até um atropelamento de ciclista na ciclovia já presenciei. Realmente, uma forma de registrar e denunciar isto seria muito bem vindo.

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