CCR não quer ciclistas no acostamento de suas rodovias
Executivo da CCR afirma que ciclistas precisam ter mais empatia com os motoristas e sugere que pedalem nas ciclorrotas ou não saiam da cidade de São Paulo
A BandNews exibiu na última quarta, 13 de abril, uma entrevista extremamente equivocada sobre acidentes com ciclistas em rodovias. Enquanto o entrevistado lamenta a presença de ciclistas nos acostamentos, a legenda na tela reforça o tom de crítica a quem pedala nessa área da via.
Ferindo princípios jornalísticos básicos de imparcialidade, interesse público e responsabilidade social, a chamada exibida durante quase toda a entrevista induz o espectador a entender que a causa das mortes de ciclistas nas estradas seriam “os riscos da utilização de acostamentos para pedalar“.
Ora, se quem oferece risco é o motorista que invade o acostamento, o tema deveria ser “os riscos de trafegar pelo acostamento com o automóvel“. Afinal, é isso o que precisa ser evitado para que esse risco deixe de existir.
Entrevista ou vídeo institucional?
Para esclarecer como evitar acidentes e atropelamentos com ciclistas em rodovias, espera-se que o entrevistado seja alguém com vasto conhecimento em segurança viária, ou pelo menos experiência em mobilidade por bicicleta. No entanto, o jornalismo da emissora preferiu convidar um representante de sua parceira, a CCR.
O entrevistado foi Fábio Russo Corrêa, presidente da CCR Infra SP – o núcleo de negócios responsável pelas concessões de rodovias no Estado de São Paulo, tendo sob seu guarda-chuva as concessionárias CCR AutoBAn, CCR ViaOeste, CCR RodoAnel, CCR SPVias e Renovias.
Era óbvio que as declarações apresentariam uma análise institucional da situação. Mas parece que essa possibilidade não ocorreu à equipe de jornalismo da emissora dedicada a notícias. Ou não se importaram com isso.
Ignorando a Lei
Quando o entrevistador pergunta a Russo qual recomendação a CCR teria para os ciclistas, ele começa o discurso afirmando que “o acostamento é feito para não ser usado, apenas numa ocasião de emergência”. Mas isso não é verdade.
A própria definição legal de acostamento, constante no Anexo I da Lei Federal 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) afirma que essa é exatamente a área da rodovia onde deve ocorrer a circulação de bicicletas:
ACOSTAMENTO – parte da via diferenciada da pista de rolamento destinada à parada ou estacionamento de veículos, em caso de emergência, e à circulação de pedestres e bicicletas, quando não houver local apropriado para esse fim.
– Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB)
Obrigação de garantir segurança
Um acostamento largo e bem sinalizado com o da Rodovia dos Bandeirantes é quase uma ciclofaixa. Mas que é compartilhada com eventuais pedestres e na qual motoristas também podem parar, em caso de problemas mecânicos ou outras emergências.
Se esse espaço, que por Lei deve ser usado pelos ciclistas, não for seguro para esses usuários da rodovia, há algo errado com a rodovia. Limite de velocidade, sinalização, fiscalização ou seja qual outro for o ponto de deficiência, de erro ou de omissão, ele DEVE ser corrigido. Imediatamente.
Além de ser um dever moral e ético de quem detém a concessão, garantir a segurança dos ciclistas é uma obrigação legal. Tanto pelo Código de Trânsito, que estabelece a necessidade de se “promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas“, quanto pelo Código de Defesa do Consumidor, que determina que as concessionárias devem prestar um serviço seguro aos usuários da rodovia. A todos eles.
Garantir segurança para os usuários da rodovia concessionada é muito mais do que deslocar ambulâncias depois que um atropelamento acontece. É evitar que ele ocorra. E isso não se faz convencendo as vítimas a não morrerem.
Acostamento para tráfego de automóveis
Na sequência, o presidente da CCR Infra SP declara que a empresa “não acha adequado que as pessoas usem os acostamentos para fazer os seus treinos”. Justifica dizendo que se está falando “de veículos com um peso diferente, um automóvel e uma bicicleta, velocidades muito diferentes”.
Essa afirmação parte do pressuposto de que esses veículos de pesos e velocidades diferentes circulam no mesmo espaço. O que obviamente não deveria ocorrer.
Intencionalmente ou não, no cerne dessa declaração está uma aceitação implícita de que veículos motorizados também circularão no acostamento. E que o ciclista é quem deve sair dali.
Vá pedalar em outro lugar
“Então o que a gente aconselha é que as pessoas façam seu treino, andem de bicicleta. Que é um esporte incrível, maravilhoso, tá crescendo no Brasil. Mas usem rodovias que são adequadas pra essa prática”, prossegue o executivo da concessionária.
Se uma rodovia com acostamento largo e bem sinalizado não é adequada para pedalar, qual seria? Talvez uma com estrutura segregada, protegida, a tal da ciclovia. Certo? Bem, não para a CCR.
“Nós nos juntamos com um grupo de ciclistas, é… do ano passado, é… mais ou menos uns 20 ciclistas, pessoas muito importantes nesse meio, muito experientes, é… alguns donos de assessoria esportiva. E a gente criou com eles o projeto das ciclorrotas”, relata o presidente.
Puxa, que bom! Com esse currículo, essas pessoas “muito importantes” não podem ter errado. Certamente esse projeto consiste então em estruturas viárias que protejam mais do que um acostamento largo e bem sinalizado, onde sabemos que os carros não deveriam trafegar.
Bem, parece que não:
Onde pedalar, então?
Fábio Russo descreve como locais apropriados para a prática do ciclismo as “rodovias secundárias, rodovias municipais, aonde o volume de tráfego é muito mais baixo e a velocidade em que os veículos trafegam também é muito mais baixa”. Ok, então.
Portanto a recomendação da CCR é que os ciclistas deixem de usar uma rodovia com acostamento, admitindo que não garante a segurança desses usuários nesse espaço onde carros não deveriam trafegar. E que usem estradas onde nem acostamento existe. Rodovias de pista dupla, nas quais os ciclistas dividirão a faixa de rolamento com os carros. E terão de confiar no bom senso, destreza e paciência dos motoristas, que precisarão fazer uma ultrapassagem para desviar da bicicleta. Devo ter perdido alguma coisa.
Já imaginávamos que as ciclorrotas da CCR seriam usadas em algum momento para negar o direito de usar as rodovias principais. Só não esperávamos que isso acontecesse tão rápido.
“Então nossa sugestão é essa, que usem rodovias apropriadas para a prática do ciclismo. Ou as ciclovias, ciclofaixas que tem aqui em São Paulo”, completa. Em outras palavras, pedale em qualquer outro lugar, mas não no meu acostamento.
Se o ciclista não quiser morrer, que circule apenas nas ciclorrotas da CCR. Ou não saia de São Paulo.
Empatia com quem atropela ciclistas
Sejamos justos: apesar das falhas conceituais da produção do noticiário, o entrevistador até tenta elevar o debate, quando pergunta se não falta também a quem dirige alguma orientação e um pouco de gentileza com os ciclistas.
Contudo, a resposta do entrevistado surpreende pelo malabarismo utilizado para não criticar os motoristas. Que, talvez por mera coincidência, sejam seus clientes pagantes.
“Eu acho que falta um pouco de empatia pra todo mundo que tá no trânsito, né? É… eu posso estar dirigindo um carro, eu posso estar dirigindo uma moto, um caminhão, um ônibus, é… se for uma rodovia de mais baixo movimento eu posso estar andando numa bicicleta, e cada um de nós é a mesma coisa.”
Há dois pontos bem problemáticos nessa resposta. O primeiro é o reforço de que o ciclista deve usar só rodovias de menor movimento. Não! Isso é negar o direito de circulação previsto em Lei. É admitir a incompetência em garantir segurança para essa categoria de usuários da rodovia, pedindo que se retirem para não causar problemas. Isso é inadmissível.
O segundo é dizer que falta empatia do ciclista em relação a quem está num veículo motorizado. O que isso significa?
Que o ciclista que usa o acostamento está sendo egoísta, por não entender a necessidade do motorista que quer trafegar ali (e com exclusividade)? O que esse ciclista precisa entender, se colocando no lugar do motorista, para não ser atropelado nessa área da via?
Ou o CEO da CCR Infra SP quis dizer que o ciclista deve ser compreensivo com alguém que corta caminho pelo acostamento, ameaçando sua vida? Talvez aceitar o comportamento de quem abusa da velocidade ou das manobras e capota em cima de seu colega de treino? Ou dar um abraço naquele condutor embriagado, que invadiu esse espaço sem nem tentar frear e esmagou seu amigo contra o guard-rail?
Juro que não entendi.
Mais de 100 ciclistas foram mortos por motoristas nas estradas paulistas em 2011. Mas para a CCR, isso se resolve retirando da estrada esses ciclistas sem empatia, que não têm consideração pelos motoristas e os fazem cometer esse crime.
Placas “cuidado com o ciclista”
“A gente tem trabalhado nisso, tem colocado placas na rodovia indicando o… ‘há ciclistas nessa rodovia'”, declara o executivo da CCR. Você já viu uma placa dessas?
Sim, já soubemos de uma, num acesso do Rodoanel. Que inclusive elogiamos numa reunião do Ciclocomitê Paulista, em 2021, sugerindo à Artesp e ao DER que fossem mais frequentes e que dissessem ao motorista que ele deve proteger os ciclistas. Obviamente, nosso pedido foi ignorado, como quase tudo que demandamos no Ciclocomitê.
Recentemente soubemos de uma segunda placa, na Rodovia dos Bandeirantes. Mas não temos notícia de mais nenhuma além dessas.
Portanto, essas placas não são tão comuns como o presidente da CCR Infra SP tenta fazer parecer.
A culpa é do ciclista
Ao explicitar em texto na tela que o risco está em trafegar de bicicleta pelo acostamento, em vez de apontar as invasões criminosas dos motoristas, a entrevista já direciona o raciocínio do espectador por um caminho bastante contestável. E, por que não dizer, antiético.
Reforçada pelas declarações do entrevistado, essa mensagem leva à conclusão de que a solução para evitar mortes de ciclistas seria retirá-los da rodovia. Em outras palavras, a culpa de ser atropelado seria do próprio ciclista, que se coloca em risco ao usar um espaço onde não deveria estar. Isso é errado em muitos níveis.
Ora, nenhuma equipe jornalística com profissionalismo e responsabilidade, ao tratar de atropelamentos na calçada de uma avenida, se permitiria veicular uma entrevista afirmando que as pessoas deveriam usar outra rua para caminhar, ignorando assim a real causa das mortes.
Tampouco veicularia, ao abordar estupros em um parque, uma entrevista sugerindo que mulheres não frequentassem aquele local, fazendo seus passeios em outro lugar. Muito menos se, ao ser questionado sobre a responsabilidade do agressor, o entrevistado respondesse que “falta empatia de ambos os lados”.
Desserviço da BandNews
O assunto foi tratado de forma absurdamente inadequada, ignorando totalmente direitos e deveres, de ciclistas e motoristas, previstos em Lei. O resultado demonstra despreparo da equipe de jornalismo, abordando com falta de empatia e de profissionalismo um tema tão sensível.
Vejamos:
- A legenda na tela mostra quase o tempo todo que o risco está em pedalar no acostamento, não em trafegar por ele com um carro.
- Embora o apresentador tenha feito seu papel em questionar o comportamento dos motoristas, o entrevistado respondeu que falta empatia de todos (inclusive de quem é atropelado pelas costas em um acostamento). Ok, o tempo era exíguo para novo questionamento, mas a mensagem passada ao telespectador foi a de que o ciclista que usa o acostamento não tem empatia com os motoristas.
- A redação do programa ignorou as imagens que eles próprios utilizaram para ilustrar a entrevista, nas quais aparecem diversos carros usando o acostamento sem a menor cerimônia. Não houve nenhum comentário ou referência a esse fato, passando a ideia de algo normal e aceitável.
O acostamento de uma estrada é exatamente onde o ciclista deve circular. É seu direito previsto em Lei. E é obrigação da concessionária tornar a rodovia segura para todos seus usuários, em vez de declarar que alguns deles, justo os que estão morrendo sob as rodas dos demais, são indesejados ali.
O canal de notícias deveria esclarecer isso, mas omite essa informação. E, para piorar, deixa uma mensagem extremamente equivocada aos espectadores.
Muitos que assistiram à entrevista dirigem e passarão a ver ciclistas no acostamento como intrusos na rodovia, irresponsáveis com tendência suicida. Provocadores, pessoas “sem empatia”. E podem adotar condutas agressivas ao volante para, em seu entendimento, “educar” esses invasores, que não sabem que o acostamento não é para eles e que estão atrapalhando quem precisa cortar caminho por ali pra chegar em casa mais cedo que os outros.
Um verdadeiro desserviço, que só serve para piorar a situação e aumentar indiretamente o risco aos ciclistas.
Creio ser cabível, nesse contexto, relembrar este trecho do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros:
Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:
I – a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica – se pública, estatal ou privada – e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.
II – a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;
III – a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão;
Queria ver este Sr que deu a entrevista, falando da mesma maneira, se fosse eu, mãe da ciclista Júlia Panisson Lemos, atropelada pelas costas por uma carreta, em Bom Jesus dos Perdões, junho de 2021, quando pedalava no lugar adequado, protegida pela lei! Era direito dela pedalar como amava!!! E que sejam defendidos os direitos do ciclismo!
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Sou Ciclista sem Sorocaba SP, aqui as rodovias estão sob a concessão da via Oeste, enfrentamos o mesmo problema, até quando essas concessões vão permitir esses abusos cometidos? São vidas que se foram por negligência, estudo existe e existe pessoas que querem ajudar, mas que estão sendo deixados de lado. Por mais empenho da CCR em evitar mortes nas rodovias sob sua concessão.
#Os6DoPedal
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Desculpa aos leitores, mas não a essa concessionária e seu CEO, pelos termos que usarei a seguir, mas é assim que vejo esses assunto… Perco a razão, mas não fico engasgado com tanta burrice em uma única entrevista, tanto por parte da CCR quanto da Band News….
*ESSE PUXA SACO PARA NAO USAR UM TERMO MAIS SUJO, POIS SÓ ASSIM PODE SER DEFINIDA UMA PESSOA QUE ESTA NA POSIÇÃO QUE ESTÁ, VISTO CLARAMENTE NAO TER NENHUM CONHECIMENTO TÉCNICO E LEGAL E AINDA FICAR ESTIGANDO SITUAÇÃO DESCABIDAS JUNTO A MIDIA QUE TAMBEM NAO CUMPRE SEU PROPRIO CODIGO DE ETICA … ACEITO QUE HÁ MUITOS CICLISTAS ABUSADOS, MAS INDEPENDENTE DISSO, DE ACORDO COM O CODIGO DE TRÂNSITO OS VEICULOS DE MAIOR POTENCIAL OFENSIVO DEVE PRESAR PELOS MENORES, ALEM DO QUE DITO ACIMA O ACOSTAMENTO É AREA DE CICLISTAS ENTRE OUTRAS NECESSIDADES… OUTRO PONTO, A CCR ACHA CLARAMENTE QUE A RODOVIA É DELES DEVIDO A CONSESÃO, ENGANO DELES, AS VIAS ESTAO AMPARADAS POR LEI (CTB) E NAO PELO INTERESSE DELES.
AS CICLOROTAS SÓ EXISTE NA CABEÇA VAZIA, OI CHEIA DE ESCREMENTO, DESSE INCONSEQUENTE E DAQUELE GOVERNADOR DE CALCA APERTADA
JA PEDALEI PELOS PONTOS E NAO HÁ NENHUM PONTO DE APOIO E AS ESTRADAS QUE DEFINEM CIMO CLICLOROTAS SAO PRECÁRIAS, SÓ UM IDIOTA IDENTIFICARIA COMO UM LOCAL SEGURO, SENDO TAMBEM UM PONTO ONDE O SOCORRO DEMORA PARA CHEGAR. QUEREM SE EXIMIR DE SUAS RESPONSABILIDADES.*
Sou motorista e usuário das rodovias sob consesão da CCR e também sou ciclista, e falta de empatia e respeito existe dos motorista e da própria CCR para com os ciclistas.
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Entrevista totalmente direcionada e disproporcional…
Comentário bem votado! 4 0
Fico indignado e enojado por essa reportagem com pessoas hipócritas, desleais e sem um pingo de dignidade.
Como podem aceitar isso, tem que haver uma punição para essa emissora sarcástica e irresponsável.
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