Uso da bicicleta continuou fora do radar dos governos na COP27
Mobilidade ativa foi tema nos eventos paralelos oficiais, mas não foi mencionada nos principais – mesmo com a pressão de mais de 400 entidades de 73 países
Apesar de sua evidente importância para a redução das emissões de carbono, os transportes ativos não foram sequer mencionados nos eventos principais da COP27. A 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) aconteceu no início de novembro em Sharm El Sheikh, Egito.
A ausência ocorreu mesmo com a pressão de mais de 400 entidades de 73 países. Entre elas, organizações brasileiras como o Vá de Bike, a Transporte Ativo e a UCB – União de Ciclistas do Brasil.
Através da iniciativa PATH (sigla em inglês para Parceria para Viagens Ativas e Saúde), as organizações subscreveram uma carta aberta aos líderes de governos e cidades. O documento pede que invistam mais em transporte ativo, para atingir as metas climáticas e melhorar a vida das pessoas.
A carta cita cinco pontos para promover a mobilidade ativa, apontando os caminhos para incentivar o ciclismo e o pedestrianismo como formas de locomoção:
Infraestrutura – para tornar a caminhada e o ciclismo seguros, acessíveis e fáceis
Campanhas – para apoiar uma mudança nos hábitos de mobilidade das pessoas
Planejamento do uso do solo – para assegurar a proximidade e a qualidade do acesso aos serviços cotidianos a pé e de bicicleta
Integração com transporte público – para apoiar a mobilidade sustentável para viagens mais longas
Capacitação – para permitir a implantação bem-sucedida de estratégias eficazes de caminhada e ciclismo que tenham impacto mensurável
Sem discussões sobre transporte
Em 2021, a COP26 contou com um Dia do Transporte e uma Declaração de Transporte – que foi alterada de última hora para incluir uma pequena citação à mobilidade ativa, após a intensa pressão dos grupos de defesa.
Já a edição desse ano não deu tratamento específico ao transporte. O tema foi abordado de forma ampla, como parte da discussão maior sobre redução de emissões e de uso de combustíveis fósseis. Dessa forma, houve ainda menos espaço para que fosse inserida uma discussão sobre o papel que a caminhada e o ciclismo deveriam desempenhar na descarbonização do setor.
A grosso modo, a COP27 considerou que a edição anterior já havia determinado o que deve ser feito em relação aos transportes. Infelizmente, as estratégias se limitam basicamente à eletrificação da frota motorizada.
“Permitir que mais pessoas caminhem e pedalem com segurança é essencial para reduzir a participação de 27% do transporte nas emissões de carbono e alcançar o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. Mas caminhar e andar de bicicleta continuam sem prioridade no mix de transporte e mobilidade e na agenda climática mais ampla”, afirma Sheila Watson.
Vice-diretora da Fundação FIA, Watson esclarece que a carta “foi publicada para chamar a atenção para isso e pedir maior ação por parte dos governos e das lideranças municipais”. A entidade é uma das coordenadoras da PATH, além de financiadora da iniciativa.
Eventos paralelos
Ainda assim, a mobilização não foi em vão. Além de divulgada amplamente, a carta da coalizão de entidades foi apresentada formalmente a representantes de alguns dos governos participantes.
Ao mesmo tempo, as premissas da declaração foram compartilhadas e promovidas pelos membros da PATH em uma série de reuniões, palestras e eventos paralelos oficiais da Conferência. Essas sessões sobre mobilidade ativa abordaram finanças, gênero, integração com transporte público, desafios e oportunidades para cidades africanas e outros.
“Estamos muito satisfeitos que mais de 400 organizações de todo o mundo aderiram ao nosso apelo à ação assinando essa carta”, declarou Isabella Burczak, da UCI (União Ciclística Internacional). A UCI também coordena a PATH, junto a entidades como Walk21, Federação Europeia de Ciclistas (ECF), Embaixada Holandesa de Ciclismo (Dutch Cycling Embassy) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
“Isso ressalta quanto apoio existe para priorizar e investir mais em pedestrianismo e ciclismo como uma das melhores soluções que temos para atingir as metas climáticas, melhorar a saúde pública e proporcionar uma série de outros benefícios sociais”, completou.
Trabalho em andamento
Apesar de tudo, a força do compromisso demonstrado pelos signatários da carta indica que essa parceria continua. Segundo a PATH, “ela ajudará a aumentar a conscientização e a busca pela liberação do potencial de pedestrianismo e ciclismo, tanto para acelerar o alcance das metas climáticas como para outros benefícios”. Isso pode ser feito sobretudo com maior priorização e investimento, mas também através de “estratégias nacionais de transporte, saúde e meio ambiente”.
Para Lucas Harms, da Embaixada Holandesa de Ciclismo, a PATH, a ampla comunidade de mobilidade ativa e as organizações de apoio fizeram suas vozes serem ouvidas na COP27. “No futuro, continuaremos a convocar os governos nacionais e municipais a se comprometerem a priorizar e investir em caminhadas e ciclismo – incluindo estratégias, planos, financiamento e ações concretas para infraestrutura, campanhas, planejamento do uso do solo, integração com transporte público e capacitação”, apontou.
As próximas etapas de atuação da PATH incluem “trabalhar para fortalecer a inclusão da mobilidade a pé e por bicicleta nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e nas Revisões Nacionais Voluntárias (VNRs)”. Enquanto as NDCs são atualizações ou novas metas climáticas apresentadas pelos países, as VNRs são revisões de seus progressos em direção a essas metas.