Ciclistas pedalam em avenida de São Paulo. Foto: Willian Cruz

Ciclistas podem circular em avenidas de tráfego rápido? Por que insistem em fazê-lo?

Com frequência ouvimos que ciclistas não deveriam trafegar em vias rápidas, ou até mesmo que a lei de trânsito os proibiria de fazer isso. Afinal, pode ou não pode? E por que os ciclistas insistem em usar as avenidas? Não deveriam deixá-las para os carros? Veja a análise do Vá de Bike.

Ciclistas pedalam em avenida de São Paulo. Foto: Willian Cruz
Ciclistas pedalam em avenida de São Paulo. Foto: Willian Cruz

Com frequência ouvimos que ciclistas não deveriam trafegar em avenidas. Algumas pessoas chegam a afirmar, com base no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que os ciclistas não teriam esse direito. O Vá de Bike analisou essas questões.

Optando por caminhos alternativos, seu deslocamento se torna mais seguro e agradável. Infelizmente, nem sempre isso é possível.

Escolha

Por terem automóveis em velocidade mais alta e, geralmente, presença de caminhões e ônibus, recomendamos sempre aos ciclistas que evitem as grandes avenidas que não possuem ciclovia ou ciclofaixa. Ainda que essas vias estejam congestionadas, motoristas impacientes por vezes querem tirar todo o atraso em um espaço de poucos metros, ameaçando propositalmente o ciclista, como se aquela simples bicicleta (que em segundos não estará mais ali) fosse a responsável por todo o congestionamento desde lá de trás.

Ruas de menor movimento, que tenham elementos “acidentais” de traffic calming (semáforos, valetas, quebra-molas, rotatórias e áreas de estacionamento que diminuem o espaço livre no vário, entre outros) tornam-se mais seguras para as bicicletas. E, geralmente, são bem mais agradáveis, com arborização, menos poluição, comércio local, praças, pessoas, vida.

Avenidas costumam ser inóspitas, desagradáveis e estressantes. Isso, por si só, é um bom motivo para você escolher outro caminho. Seu deslocamento pode ser mais agradável e, por que não, divertido. Essa é uma das vantagens da bicicleta: aproveitar o percurso, usar aquele tempo para você em vez de desperdiçá-lo parado e impotente frente ao congestionamento.

Necessidade

Ciclistas sinalizam o solo da Av.Paulista, em São Paulo, pedindo compartilhamento da via – anos antes de uma ciclovia ser construída por lá.

Apesar da recomendação de se buscar alternativas, nem sempre há uma via paralela que acompanhe toda a avenida. Isso obriga o ciclista a conhecer muito bem a região onde trafega, para que possa encontrar alternativas, e pode aumentar bastante o percurso.

Para piorar, as grandes avenidas costumam ser construídas em regiões de fundo de vale ou sobre “espigões” (como no caso da Av. Paulista, em São Paulo). Isso por vezes faz com que as paralelas tenham aclives, tornando a avenida o caminho mais plano, reto e geograficamente adequado a quem usa a bicicleta. Em uma cidade para pessoas, esses caminhos seriam priorizados para pedestrianismo e meios movidos a propulsão humana, deixando o ônus dos aclives para quem só precisa pisar num acelerador ou torcer uma manopla para vencê-los.

Nesses casos, não adianta insistir para que o ciclista escolha outro caminho: quem se desloca usando um meio que dependa de esforço físico (a pé, bicicleta, skate, patins e outros) tende sempre a buscar o caminho mais curto e plano. É o que faz as pessoas atravessarem fora da faixa de pedestres, quando utilizá-la implica em deslocamentos de centenas de metros. São escolhas lógicas, naturais e compreensíveis, que devem ser aceitas e protegidas pelo poder público, além de previstas e incentivadas por quem planeja a infraestrutura viária e o meio urbano, tornando a cidade mais amigável e segura para quem utiliza esses modais.

Vias perigosas?

Tráfego rápido?

Afirmar que ciclistas não devem usar determinada via porque ela é “perigosa” é ser conivente com os motoristas que trafegam por ela de forma irresponsável. É aceitar que a conduta perigosa em um veículo automotor seja um argumento válido para que outros atores do trânsito, como bicicletas e pedestres, cedam seu direito de circulação para que a irresponsabilidade e a impunidade possam continuar a vigorar. Deve-se combater as causas e os causadores do problema, em vez de responsabilizar suas vítimas e puni-las com o cerceamento de seus direitos.

Ao adotar o discurso de que ciclistas não deveriam circular em avenidas, estamos estimulando e municiando de argumentos os motoristas que não concordam com sua presença nas ruas e os colocam em risco propositalmente, de forma criminosa, com o objetivo de “educá-los” a não utilizarem as avenidas. E quando um órgão de imprensa – ou, pior, um representante do poder público – faz essas afirmações, o efeito nocivo é potencializado, pois uma declaração revestida de caráter oficial estimula ainda mais o comportamento agressivo. Esse estímulo pode resultar em mortes, sequelas e amputações – infelizmente de forma bastante indireta, tornando impossível estabelecer uma relação de causalidade que imputaria responsabilidade legal a quem divulga publicamente esse conceito distorcido e que fortalece intolerância e agressões aos ciclistas que trafegam em avenidas.

Afirmar que ciclistas não devem usar as avenidas pois há motoristas que podem matá-los é como dizer às mulheres para não usarem saias, pois há estupradores que podem atacá-las.

O que diz a Lei

A afirmação de que os ciclistas não poderiam usar “vias de tráfego rápido” advém do seguinte artigo do CTB:

CAPÍTULO XV – DAS INFRAÇÕES

Art. 244 (…)
§ 1º Para ciclos aplica-se o disposto nos incisos III, VII e VIII, além de:
(…)
b) transitar em vias de trânsito rápido ou rodovias, salvo onde houver acostamento ou faixas de rolamento próprias

Uma primeira análise nos faz crer que em avenidas onde os carros trafeguem em alta velocidade, a bicicleta estaria proibida de circular. Mas vamos entender, no anexo que complementa o CTB, o que a Lei considera como “via de trânsito rápido”:

ANEXO I – DOS CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Para efeito deste Código adotam-se as seguintes definições:
(…)
VIA DE TRÂNSITO RÁPIDO – aquela caracterizada por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível.

Traduzindo, a bicicleta só não pode trafegar em avenidas onde sejam atendidos os seguintes requisitos:

  • não haver semáforos
  • não haver cruzamentos
  • não haver acesso direto a terrenos, prédios, casas, sítios, garagens, etc, sendo esses feitos apenas através de pistas de aceleração/desaceleração
  • não haver faixas de pedestres (ou outra forma de travessia que não sejam pontes e passarelas)

Em outras palavras, as únicas avenidas onde a bicicleta é proibida por lei são aquelas com características de rodovia – e, ainda assim, que não tenham acostamento. Na cidade de São Paulo, os únicos locais onde isso ocorre são as pistas expressas das Marginais Tietê e Pinheiros e a Av. 23 de Maio. Em todo o resto da cidade, PODE.

Independentemente do direito de uso, o Vá de Bike recomenda que sejam buscadas vias alternativas, quando não impliquem em aumento excessivo da distância ou em aclives consecutivos. E, mesmo nesses casos, pese as vantagens e desvantagens de mudar seu caminho para evitar grandes avenidas. A decisão final é pessoal e subjetiva.

>> Veja o que o Código de Trânsito diz sobre bicicletas e ciclistas <<

51 comentários em “Ciclistas podem circular em avenidas de tráfego rápido? Por que insistem em fazê-lo?

  1. [Comentário oculto devido a baixa votação. Clique para ler.]

    Esse comentário não tem feito muito sucesso. Thumb up 5 Thumb down 21

  2. Pessoal;
    Aproveitando o tema: Moro na Freguesia do Ó em SP e trabalho em Barueri.
    Como avaliam o trajeto Marginal + Castelo Branco (ida e volta). Dá uns 20Km cada perna o que não é muito. A questão é a segurança no trajeto que assusta bastante, apesar de já ter utilizado por anos a bike como meio de transporte para ir ao trabalho.
    Apesar de assustador, frequentemente vejo ciclistas na Castelo pela manhã, me parecendo assim uma alternativa viável.

    Obrigado!

    Thumb up 2 Thumb down 2

  3. Caros amigos ciclistas. Não pode haver essa confusão entre “ciclomotores” e bicicletas. Ciclomotores, por definição do Anexo II do CTB “veículo de duas ou três rodas, provido de um motor de combustão interna, cuja CILINDRADA não exceda a 50cc e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinquenta quilômetros por hora. Por essa definição e por isso que não pode transitar em avenidas de trânsito rápido. Não há objeção quanto ao trafego da bicicleta (mesmo que alguns desaconselhem) no Art. 244 do CTB. Temos que ter cuidado na argumentação. Quanto ao Art. 29, que foi citado, somente regra alguns comportamentos, e em nenhuma linha proibe o uso de bicicletas em Avenidas de Trânsito Rápido. A proibição de transitar com bicicletas tem que ser precedida de placa de proibição (PLACA R-12). Aí sim, entendo que o tráfego é totalmente proibido pelo órgão com jurisdição sobre a via.

    Thumb up 3 Thumb down 4

    1. Anderson, permita-me discordar. O artigo 244 dispõe, sim, sobre “motocicleta, motoneta e ciclomotor”, porém o parágrafo 1º é bem claro: “Para *ciclos* aplica-se o disposto nos incisos III, VII e VIII, além de…”

      Ou seja, para “ciclos” (que segundo o anexo I do CTB são veículos “de pelo menos duas rodas a propulsão humana”) cabem os três incisos citados na regulamentação de condução de ciclomotor, além de três outros itens.

      Por sinal esse esclarecimento já havia sido dado a outro comentário aqui nessa postagem. 😉

      Comentário bem votado! Thumb up 4 Thumb down 0

  4. Por uns 3 anos eu trabalhava em Ermelino Matarazzo, na ZL, e moro no centro, não há muitas opções pro deslocamento, o mais prático era ir pela Marginal, eu costumava ir mais ou menos da ponte das Bandeiras até a Nordestinos pela local da Marginal, que por incrível que parece eu achava menos perigoso do que pegar a Radial Leste, Av. Celso Garcia. Mais pra frente descobri uns caminhos por dentro, que levavam mais tempo. Mas na real, de tantos anos que pedalo, já tomei vários sustos enormes em avenidas do que na local da Marginal. Não que não seja perigosa, mas onde não é numa cidade que muitos motoristas nos veem como um empecilho, a gente, ocupando um espacinho de nada que temos culpa pra muitos, aí se sentem na razão de tirarem fina, meter a buzina, dar fechada, não nos dar a preferência até quando estamos numa preferencial.
    Às vezes não temos muita opção, pegar avenidas, vamos dizer, muito movimentas e de velocidade mais alta pros carros às vezes é a alternativa menos pior.

    Comentário bem votado! Thumb up 6 Thumb down 0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *