O momento em que o motorista de ônibus espreme o ciclista, numa clara tentativa de atropelamento. Imagem: Rodrigo Souza/Reprodução

Depois de quase atropelado, ciclista é hostilizado e acusado de lesão corporal – veja vídeo

Após tentativa de atropelamento por motorista de ônibus, ciclista foi hostilizado pela população e acusado de lesão corporal – mesmo sem agredir ninguém

O momento em que o motorista de ônibus espreme o ciclista, numa clara tentativa de atropelamento. Imagem: Rodrigo Souza/Reprodução
O momento em que o motorista de ônibus espreme o ciclista, numa clara tentativa de atropelamento. Imagem: Rodrigo Souza/Reprodução

Rodrigo Souza voltava do trabalho tarde da noite no Rio de Janeiro, como faz tantas vezes: de bicicleta. Usava a faixa esquerda da Rua Cândido Benício para deixar a direita livre para os ônibus, quando o motorista de um deles avança até onde ele estava, passando extremamente perto. É o que ciclistas habituais costumam chamar de “fina educativa“: uma ameaça de morte com o objetivo de “ensinar” a não pedalar na rua. A faixa direita, onde o ônibus deveria estar, estava totalmente livre.

O ciclista alcança o ônibus no sinal e tenta conscientizar o motorista. “Só estou tentando chegar em casa, você quase me derrubou ali atrás”, diz Rodrigo, sem se alterar. Mas logo em seguida o motorista passa ainda mais perto, quase tocando o guidão, numa clara tentativa de derrubá-lo. E ainda o espreme, como mostra a imagem acima.

Mais uma vez Rodrigo alcança o ônibus, mas dessa vez para em sua frente e chama a polícia. E o que acontece em seguida é uma sucessão de situações vergonhosas, todas registradas em vídeo. Uma mulher tenta lhe arrancar do lugar à força, pessoas que passavam pelo local o hostilizam e os policiais lhe passam uma enorme bronca, dizendo que se ele não foi atropelado não tem por que reclamar (ora, se o fosse não teria como reclamar), que a situação vai virar contra ele na delegacia, que a empresa irá processá-lo, que ele interrompeu o trânsito à toa e outros absurdos.



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A atitude do motorista pode ser considerada crime pelo Art. 132 do Código Penal (“expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”). A pena é de detenção de três meses a um ano, aumentada de um sexto a um terço por ser decorrente de atividade de transporte de pessoas. A situação está toda registrada em vídeo, incluindo todos os diálogos.

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Para coroar a situação vexatória, a única ocorrência registrada, segundo Rodrigo, foi de lesão corporal, já que para a delegada todo o episódio foi “apenas uma fechada de nada”. A vítima da lesão corporal? A mulher que aparece no vídeo tentando arrancar o ciclista do lugar, pois ela se machucou na coroa da bicicleta. E o motorista do ônibus serviu de testemunha a seu favor.

“Agora tenho uma audiência marcada sendo acusado de agressão e o motorista continua dirigindo livremente”, diz o ciclista no depoimento que acompanha seu vídeo no Youtube.

Ciclista na esquerda

Em comentário no Youtube, o ciclista justifica sua presença na faixa da esquerda:

Ando pela esquerda por diversos motivos: Fechadas constantes de ônibus do lado direito devido aos pontos de desembarque, diversas entradas e buracos do lado direito, maior chance de escapar de um assalto (Caso o ladrão queira te derrubar ele terá que atravessar as pistas, ou seja, você ganha tempo para reagir), enfim, VÁRIOS motivos e legalmente o CTB permite a utilização da faixa da esquerda assim como a da direita (Art. 58 do CTB).

Mas o ciclista agia corretamente ao trafegar na esquerda? A discussão é longa – e temos um artigo dissecando esse assunto, veja aqui. Mas resumindo, o artigo 58 do Código de Trânsito diz que o ciclista deve trafegar “nos bordos” da pista, portanto em ambos, direito e esquerdo. O inciso IV do art. 29 diz que as faixas da direita são destinadas aos veículos mais lentos E de maior porte, portanto ônibus, caminhões, escavadeiras, tanques de guerra e outros. Quem estava na faixa incorreta era, portanto, o motorista do ônibus.

Infrações suficientes para perder a habilitação

O motorista do ônibus também desrespeitou os artigos 34 (executou manobra colocando em risco outros usuários da via) e 58 (deixou de dar preferência de passagem para a bicicleta). Na verdade, foram várias as infrações de trânsito cometidas pelo motorista:

  • Art. 169, dirigir sem os cuidados indispensáveis à segurança – infração leve, penalidade multa, 3 pontos, R$ 53,20
  • Art. 170, dirigir ameaçando os demais veículos – infração gravíssima, penalidade multa e suspensão do direito de dirigir, 7 pontos, R$ 191,54
  • Art. 185, deixar de conservar o veículo lentos e de maior porte na faixa da direita – infração média, penalidade multa, 4 pontos, R$ 85,13
  • Art. 192, deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais – infração grave, penalidade multa, 5 pontos, R$ 127,69
  • Art. 196, deixar de indicar com antecedência, mediante gesto regulamentar de braço ou luz indicadora de direção do veículo, a mudança de faixa de circulação – infração grave, penalidade multa, 5 pontos, R$ 127,69
  • Art. 201, ultrapassar ciclista a menos de 1,5m de distância lateral – infração média, penalidade multa, 4 pontos, R$ 85,13
  • Art. 220, deixar de reduzir a velocidade a ultrapassar uma pessoa em bicicleta – infração grave, penalidade multa, 5 pontos, R$ 127,69

Seriam R$ 798,07 em multas. Somando a pontuação, haveria mais que o suficiente para o motorista perder a habilitação: 33 pontos – sem contar a suspensão do direito de dirigir prevista no artigo 170.

Depoimento do ciclista

Segue o depoimento do ciclista, conforme registrado na página do vídeo no Youtube.

Como muitos sabem uso a bike também como meio de transporte e constantemente passo por situações complicadas. Segue abaixo o relato do que aconteceu comigo a pouco tempo…

Sexta feira (12/02/16) sai do trabalho de bike a caminho de casa quando pouco após a estação do BRT Tanque um ônibus da linha 878 (Viação Transportes Barra), mesmo com as duas pista livres “tirou uma fina” de mim. O ônibus estava indo para a garagem e logo após a “fina” consegui alcançar o ônibus e falei ao motorista “Só estou tentando chegar em casa e o senhor quase me derrubou”.Montei na bike e continuei meu caminho, mas logo a frente o mesmo motorista (Wilson de Oliveira), novamente com as duas pistas livres, jogou propositalmente o ônibus para cima de mim.

Caso estivesse passando um BRT naquele momento provavelmente eu não estaria aqui… Após essa fechada o motorista acelerou para ir embora e rapidamente montei na bike e alcancei o motorista. Parei em frente ao ônibus e liguei para a policia!

Esperei a chegada da policia por mais de 40 minutos e enquanto isso alguns populares começaram se aglomerar e falar que eu estava errado e fazer diversas ameças. Ainda enquanto aguardava a policia, uma mulher (Elaine Severini) veio até mim falando que ali era area de bandido e mandou tirar a bicicleta pois senão “eu iria ver só!”. Começou a puxar a bicicleta de mim e nisso ela acabou se arranhando na coroa da bicicleta.

Apos mais confusão a policia chegou e pensei que dali em diante estaria seguro e amparado, mas foi quando tive um péssima surpresa. Os policiais totalmente despreparados começaram a indagar que eu estava errado, pois não deveria estar andando na rua e que foi apenas uma fechada e como eu não estava machucado não poderiam ajudar. Insisti em levar todos (Eu, o motorista e a louca alcoolizado) para a delegacia registrar o BO. Muito a contra gosto os policiais foram com todos até a 28º delegacia de policia.

Mais uma vez fui surpreendido por uma delegada que afirmava que eu estava apenas “dando um chilique, pois foi “apenas um fechada de nada” além de varias vezes afirmar que eu estaria encrencado pois apenas a louca estava arranhada. Disse até que eu poderia ser enquadrado na lei Maria da Penha e tentou de outros artifícios para que eu não seguisse com o Registro da Ocorrência, segundo ela “para o meu próprio bem”.

Insisti em fazer o registro e ouvi da delegada que eu era um playboyzinho rebelde que queria chamar atenção e que ela deveria estar descansando ao contrario de estar registrando “aquele showzinho”.

Seguimos com o registro e para a minha surpresa EU ERA O AUTOR de uma lesão corporal contra a maluca e o motorista iria servir de testemunha a favor dela!

Agora tenho uma audiência marcada sendo acusado de agressão e o motorista continua dirigindo livremente…

Dados do ocorrido

Nome da empresa: Viação Transportes Barra
Nome do motorista: Wilson de Oliveira
Numero do carro: LPM 8753 – C13214
Numero do ônibus: Linha 878
Dia e hora: 12/02/16, +/- 22:30
Local do ocorrido: Rua Cândido Benício, entre as estações do BRT do Tanque e Praça Seca

Dentre os comentários na página do vídeo, destacamos este, de Eduardo Castilho:

O ciclista é agredido pelo motorista, que deliberadamente coloca a sua vida em risco. É agredido pela população, que na sua ignorância do código de transito, não reconhece que o ciclista tem o direito de trafegar na via. É agredido pelo poder público, que na figura dos policiais, julga, condena o ciclista e coíbe o direito dele de registrar as agressões sofridas. O que mais chama a atenção é a fala do policial, que questiona o ciclista se ele está machucado. Quer dizer que colocar a vida de alguém em risco não é crime?

12 comentários em “Depois de quase atropelado, ciclista é hostilizado e acusado de lesão corporal – veja vídeo

  1. A atitude do motorista foi absurda, é inegável, e merece as penas das lei, mas o ciclista deveria ter seguido para a delegacia e efetuado a queixa crime. Bloqueando a via ele cometeu várias irregularidades e prejudicou pessoas que não tinham nada a ver com o episódio.

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  3. Vamos fazer as malas e ir embora desta terra tupiniquim. Definitivamente, isso não tem mais salvação! As pessoas não tem o mínimo de educação.

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  4. A região do tanque precisa de ações educativas intensas com relação ao tratamento ao ciclista, o motorista do onibus precisa ter a sua habilitação cassada pois ele é um risco a sociedade e aos passageiros que transporta. Vamos acompanhar de perto o desenrolar desse caso.

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  5. Estou tão revoltado com a situação que se fosse advogado ajudaria o rapaz.
    A questão é que se ele tivesse sido morto teria como reclamar seus direitos !!
    O mais absurdo é que a população acha que o motorista está certo pondo em risco a vida do ciclista.
    Por isso o povo brasileiro tem o que merece, não vive, só “sobrevive” neste país medíocre que o povo criou.

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  6. Essa foi uma situação tão surreal mas tão surreal que não da pra botar fé que é verdade, mas é. Se eu fosse advogado ia fazer questão de ajudar esse cara a entrar com processo em cima da viação, da tiazinha e do estado.

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  7. As pessoas e os policiais queriam que você morresse pro motorista ser culpado de alguma coisa. Já aconteceu isso comigo, sendo que foi um automóvel particular que colocou o carro pra cima de mim. Ainda tentei pega-lo no semáforo. Se eu o alcanço, teria quebrado o pára-brisas dele com um tijolo.
    O foda é que a população sequer viu alguma coisa e quer tomar partido.

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  8. Essa história em si já é repleta de absurdos, mas lendo os artigos do CTB na matéria, fiquei espantado como desrespeitar a distância lateral mínima ao ultrapassar ciclista (art. 201) configura infração MÉDIA, enquanto desrespeitar a distância de segurança lateral entre os demais veículos (art. 192) configura infração GRAVE.
    Em outras palavras, assumir o risco de machucar uma pessoa é menos grave que assumir o risco de riscar um carro.

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