Ghost Bike de Manoel Pereira Torres
Hoje foi instalada mais uma Ghost Bike na cidade de São Paulo.
A Ghost Bike foi carregada bravamente nas costas, da Praça do Ciclista até a Av. Vereador José Diniz, pelo nosso amigo “Bike Urbanity”.
Quando chegamos ao local, vi essa pixação em um muro bem perto de onde seria colocada a Ghost Bike. Ela parece já estar ali faz algum tempo, mas é extremamente pertinente: um dos questionamentos propostos com esse tipo de ação é o conformismo e a indiferença em relação à vida humana, que se tornou bem menos importante que fazer o tráfego dessa cidade fluir.
A faixa de pedestres onde foi morto o “seu” Manoel agora também é um conjunto de velas em sua memória. Ao fundo, vê-se a Ghost Bike pendurada no poste.
Depois de pendurada a Ghost Bike, teve início a sinalização de solo. Tudo foi feito rapidamente, de forma segura. Houve até a preocupação de não impactar muito a sagrada fluidez da manhã do sábado. Os motoristas nem chamaram a polícia, vejam só…
Ao término da pintura em uma faixa de rolamento, o fluxo de automotores era liberado por vários minutos para que tudo fluísse normalmente. Depois que a maré de carros baixava, os trabalhos eram reiniciados, já na faixa seguinte.
“Devagar, Vidas” – ou “Vidas, Devagar”, como queiram. Ao fundo, a Ghost Bike pendurada bem no alto, bem visível. Espero que a subprefeitura de Santo Amaro tenha a decência de permitir que ela continue ali.
E assim foi colocada mais uma Ghost Bike nessa cidade, em memória do Sr. Manoel Pereira Torres. Bem visível, flutuando aos céus, essa Ghost Bike vai estimular a curiosidade de quem não sabe o que aconteceu e a memória de quem soube do ocorrido.
Veja a galeria de fotos completa aqui.
O motociclista que matou “seu” Manoel
O motociclista que causou a morte (porque chamar de acidente seria muito eufemismo), passou em alta velocidade pela pista do ônibus, com o sinal fechado para ele, em uma travessia de pedestres. Seu Manoel, que atravessava na faixa com sua bicicleta, com o sinal aberto para os pedestres, foi arremessado contra o semáforo, a três metros de altura. Sua bicicleta foi lançada contra o poste de aço e dobrou ao meio, tal a força da colisão.
Segundo o relato de uma testemunha com quem pude conversar hoje, seu Manoel teve óbito imediato. Já o motociclista foi relativamente protegido pelo peso e velocidade de sua motocicleta. Ficou desorientado, sentado no chão por um bom tempo. O veículo do resgate chegou, mas só pôde levar o motociclista: seu Manoel foi levado pelo rabecão, que chegou bem mais tarde, depois do trabalho da perícia.
Mesmo com o local parcialmente interditado por horas, não encontrei uma única notícia nos jornais, muito menos na tevê. Afinal, seu Manoel era apenas um porteiro, que ia para o trabalho de bicicleta e morava em uma favela. Ninguém com quem a classe média se preocupe. Ninguém com quem a CET se preocupe.
Quando levado pelo resgate, o motociclista foi acompanhado pela Polícia Militar. De acordo com uma segunda fonte, ele será indiciado por homicídio culposo, ou seja, sem intenção de matar. Para mim, alguém que passa em alta velocidade em um sinal fechado com pedestres atravessando tem (ou deveria ter) consciência do risco que está assumindo; portanto o homicídio deveria ser considerado doloso.
A travessia de pedestres no local
Depois de vários minutos para os automóveis passarem, o sinal de pedestres abre e fecha rapidamente. Isso não acontece apenas nesse local, mas em praticamente todas as travessias de pedestre semaforizadas da cidade de São Paulo. Para piorar, em algumas avenidas o pedestre é obrigado a fazer TRÊS travessias, cada qual com uma longa espera até nova abertura de semáforo. Em casos extremos, o tempo para atravessar uma avenida pode chegar a 10 minutos.
Uma pessoa com restrição de mobilidade terá que fazer a travessia dessa avenida em duas etapas. E ainda corre o risco de ser atropelada por um veículo furando o sinal vermelho e em alta velocidade.
As outras Ghost Bikes de São Paulo
A primeira Ghost Bike foi instalada no final de 2007, na Av. Luis Carlos Berrini, um dos principais eixos comerciais e de negócios da cidade. Foi retirada em poucos dias (acredito que tenha sido retirada até no dia seguinte). Ficava em um bairro nobre, em frente a um banco de luxo e não foi bem compreendida. Era feia, ruim para os negócios. Sumiu rapidamente.
A segunda Ghost Bike foi instalada em homenagem à nossa amiga Márcia Prado, assassinada por um motorista de ônibus em janeiro de 2009. A bicicleta branca encontra-se até hoje na Av. Paulista, no que se tornou um memorial onde ciclistas frequentemente ainda prestam suas homenagens. Márcia era muito querida na Bicicletada e é sempre lembrada por todos nós.
Márcia Prado foi homenageada com a criação de uma Rota Cicloturística com seu nome, ligando São Paulo e o litoral. Essa rota teve uma abertura experimental no início desse ano e está em vias de ser tornar oficial, aberta permanentemente. Hoje os ciclistas não têm nenhuma opção para chegar ao litoral, são totalmente proibidos, uma violação de direitos flagrante e impune. A Ecovias, concessionária que se acha dona das rodovias que levam à baixada santista, não permite o tráfego de bicicletas, impedindo a passagem de ciclistas com apoio da Polícia Rodoviária e até, pasmem, da Artesp, justificando que “não é seguro”. Não é, mas deveria ser. E a Ecovias não faz nada para torná-lo seguro. Afinal, ciclista não paga pedágio, que se danem seus direitos.
A terceira Ghost Bike foi instalada em novembro de 2009, em homenagem ao ciclista Fernando Martins Couto e ao gari Antônio Ribeiro. Para incluir o gari na homenagem, foi afixada uma vassoura de varrição de rua junto à bicicleta. Ambos estavam conversando na calçada, aguardando para realizar a travessia, quando foram “colhidos” por um ônibus em alta velocidade. Na instalação dessa Ghost Bike / Ghost Broom, estavam presentes ciclistas, garis, familiares da vítima e bastante gente que passava pelo local. Essa bicicleta branca também continua lá até hoje.
As bicicletas brancas são utilizadas em muitos países. Visite o site Ghostbikes.org e veja quantas manifestações semelhantes já foram feitas ao redor do mundo.
No more ghost bikes
Que não sejam necessárias mais Ghost Bikes! Mas, enquanto forem, faremos o possível para que essas mortes lamentáveis não sejam em vão. É necessária uma conscientização urgente do poder público, especialmente da CET, da SIURB, da Secretaria de Transportes do Município. Não adianta fazer vista grossa: o ciclista existe, faz parte do trânsito, trafega por todas as regiões da cidade o dia todo, tem o mesmo direito de se deslocar que os donos de automóveis e motocicletas. E o mesmo direito de chegar vivo em casa no final do dia.
Era pra ter uma ciclovia!
Na Av. Vereador José Diniz circulam muitos ciclistas. Como as avenidas Águas Espraiadas Roberto Marinho e Vicente Rao ficam em vales profundos, a José Diniz torna-se a melhor opção. Principalmente no trecho onde ocorreu o acidente, pois atravessar a avenida que passa ali por baixo usando ruas alternativas resulta em uma volta enorme. Enquanto estávamos lá hoje pudemos ver vários ciclistas passando, de todos os tipos: adolescentes passeando, gente simples com roupa de trabalho, bicicletas cargueiras e até esportistas com suas bicicletas caras.
Quando a avenida foi reformada, o projeto da “Nova Avenida Vereador José Diniz” contemplava uma ciclovia. Segundo Cleber Ricci Anderson, ciclista e cicloativista que possui uma loja na região, a ciclovia foi simplesmente “esquecida” pelas autoridades da época. Quando cobrados, garantiram a construção de outra, como “compensação”, em uma rua paralela à avenida nova.
Agora pergunto: onde está a ciclovia de “compensação”. E, como bem colocou o Cleber, quem vai “compensar” a morte do Sr. Manoel? E o risco que outros ciclistas correm sem a ciclovia prometida?
Ignorar a presença do ciclista nas ruas é condenar muitos deles à morte
Matar indiretamente, sem ter que olhar nos olhos da vítima, não pesa na consciência e permite dormir à noite. A política de priorizar o fluxo de veículos motorizados em relação à vida, relegando a segurança de pedestres e ciclistas a um segundo plano (talvez terceiro, quarto, décimo) resulta em mortes. Um ciclista por semana e um pedestre por dia são mortos por máquinas em movimento, que têm sua sagrada fluidez como prioridade total nessa cidade.
Pensem nisso.
Willian, meus parabéns!
Morei uns 3 meses na rua atrás da pichação que te chamou atenção. Embaixo do viaduto sobre a Vicente Rao (a Vereador) tem outra pichação interessante sobre o monstro do trânsito.
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Espero que ali comece a ter uma maior preocupação com pedestres e ciclistas, mas ainda temos um boooom tempo para a conscientização da população (motoristas) pra aprender q não é só deles que vive o Transito (cidade??).
Abs e continuem trabalhando nesse sentido
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Olá Willian
Somos estudantes de jornalismo e estamos produzindo uma matéria sobre a nova ciclovia de São Paulo, gostaria de saber se você poderia nos conceder uma entrevista sobre o assunto.
Pode responder no meu e-mail: baraujo.bruna@gmail.com
Obrigada!
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Sábado, 20 de março, moro no Bixiga, fui de carro até a Anderson bicicletas, retirar um prêmio que ganhei no evento do Ciclo BR, no parque das bicicletas, abasteci no Shell da Vereador, fiz o retorno, cheguei na loja, conversei com o Cleber, peguei o Prêmio e saí, bem pertinho dali estava o SENHOR MANOEL e já não estava mais …
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Concordo com a Aline. Sábado foi muito intenso mesmo…
Só faltou uma plaquinha-memorial explicando o motivo da bike estar ali, o pouco que sabemos sobre o Seu Manoel, a necessidade de lutarmos por uma cidade mais humana, etc. Vou fazer uma e colocar lá. Alguma sugestão de material?
Abraços a todos e parabéns Willian pela cobertura. Vamos divulgar!
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brilhante, willian, tocante. mas é uma pena o assunto, como sempre. tristeza mesmo. triste a morte, triste o descaso do poder público.
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Parabéns pelo relato e pelo histórico. Seu post nos faz refletir que os pedestres também sofrem com a prioridade da fluidez dos carros. E isso acontece de monte na cidade. Uma tentativa que eu estou fazendo é pedir uma mão para o site Urbanias que faz uma ponte da reclamação com o poder público e acompanha o caso. Podemos fazer uma força-tarefa para incluir esses problemas no site. Acho também que temos uma luta a travar com relação a sinalização vertical. A placa de 1,5m deveria ser obrigatória nas cidades com um trânsito como o nosso.
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Infelizmente o individualismo ainda “é regra” na Sociedade.
http://movimentociclovianalagoaja.blogspot.com/2010/03/bicicleta-fantasma-na-osni.html
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O fato do tempo para o pedestre ser curto contribui para que ele atravesse correndo e fique à mercê de assassinos estúpidos como esse motoqueiro.
Parabéns a todos os que participaram. É muito doloroso saber que, a despeito de nossa torcida, provavelmente não seja a última ghost bike.
Parabéns pela matéria, Willian.
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sou sua fã e (como ja disse) participar dessa experiencia foi uma das coisas mais intensas e complexas que ja vivi. parabens pelo texto
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Willian, você é um jornalista e tanto! Parabéns pela matéria, arrepiante. Além de reportar ao vivo, documentou, linkou, preencheu a lacuna de quem não sabia o que é ghost bike e como pessoas comuns valorizam a vida alheia!
Obrigado por ceder seu tempo com isso tudo!
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Cara adorei essa reflexão, a juntada de textos e fotos, ótimo documentário!
A primeira foto que mostra a avenida, a faixa e aquela Ghost Bike pendurada lá em cima no poste, dá até aflição.
Temos que lutar pelos nossos direitos nessa cidade planejada só para carros e cada vez menos para pessoas!
Acabei de voltar de uma cicloviagem, e sepois disso pensamos como a bike é VIÁVEL!
Abraço.
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Obrigado pela profundidade e equilíbrio de sempre. Você é uma das pessoas que mais faz diferença na luta por uma cidade menos boçal e mais humana.
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