Mais ciclistas, mais acidentes? Veja por que isso não faz o menor sentido
Contrariando políticas públicas de incentivo ao uso da bicicleta, matéria do Diário Oficial do estado de São Paulo coloca a culpa dos acidentes no aumento de bicicletas nas ruas e nos próprios ciclistas, que supostamente desequilibram e caem. Veja por que isso não faz o menor sentido.
Tem circulado a notícia de que 9 ciclistas são internados por dia no estado de São Paulo e ao menos um deles morre em decorrência dos ferimentos. Ciclistas estão sendo feridos e mortos – e não é por caírem sozinhos. A solução para isso passa por várias coisas: infraestrutura, campanhas educativas, sinalização, fiscalização…
Mas não parece ser o que pensa o Governo de São Paulo, se analisarmos a matéria publicada no Diário Oficial do estado, no dia 11 de julho de 2012. Após discorrer sobre os ferimentos e imputar a culpa aos ciclistas, a recomendação é usar a bicicleta apenas como lazer, “em cidades menores, parques públicos e em ciclovias instaladas na capital, aos domingos”. Quem diz é o especialista consultado, que dá embasamento ao tom da matéria.
Mais bicicletas, menos acidentes
Os erros da matéria começam pelo título. Um estudo dos lugares mais seguros e mais perigosos para se pedalar na Grã-Bretanha, divulgado em 2009, mostrava que a taxa de acidentes com ciclistas costuma ser mais baixa onde há mais bicicletas circulando.
O estudo sobre segurança viária de ciclistas Safety in Numbers, citado pela Transporte Ativo, demonstra que “consideradas diversas circunstâncias, se o uso da bicicleta dobra, o risco individual de cada ciclista cai em aproximadamente 34%”.
E por que isso? Por dois motivos principais. Em primeiro lugar, quanto mais bicicletas nas ruas, menos elas passam desapercebidas. Os motoristas se acostumam a vê-las, a resistência à sua presença diminui, as pessoas nos carros cada vez mais sabem como reagir ao encontrá-las. Em segundo lugar, e talvez mais importante, cada vez mais as pessoas que dirigem passam a conhecer pessoas que pedalam, seja um amigo, um parente, um colega de trabalho. E passam a entender que aquele ciclista ali na frente também é uma pessoa, não um obstáculo.
Especialista
O que é óbvio para quem vive a bicicleta no dia a dia, o que salta aos olhos de quem se dispõe a estudar o assunto, continua sendo difícil de ser aceito para algumas das pessoas que apenas dirigem. É o caso do ortopedista escolhido para opinar sobre mobilidade urbana.
Mas espera aí… ortopedista? Sim, você leu direito. O entrevistado deve ser um excelente profissional de medicina – afinal, é chefe do grupo de trauma ortopédico do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Mas, me desculpem, aparenta não entender muito de mobilidade urbana.
O médico decidiu explicar, pelo que parece, do alto de sua experiência como motorista e sem nenhuma vivência no uso da bicicleta nas ruas, sobre a causa dos acidentes com ciclistas. Para ele, “o acidente acontece porque o motorista não vê o ciclista, que se desequilibra diante da situação perigosa“.
Se alguém te matar, a culpa é sua
O bom doutor acerta na trave quando fala sobre ciclistas se desequilibrando diante de situações perigosas. Essa frase esclarece a necessidade da ultrapassagem a 1,5m de distância, como determina o Código Brasileiro de Trânsito. Mas o profissional de saúde comete um equívoco do tamanho de um bonde ao colocar todos os “acidentes” nessa mesma panela e, principalmente, ao atribuir a culpa de uma situação como essa ao ciclista.
Em resumo, a mensagem passada pela matéria do Diário Oficial é que se você estiver pedalando e um carro passar perigosamente perto de você, a culpa é sua, não do motorista que desrespeitou a lei de trânsito e colocou deliberadamente sua vida em risco.
A matéria ignora que ciclistas que pedalam nas ruas dificilmente caem sozinhos. Desconsidera que traumas graves nos membros inferiores são geralmente causados por rodas ou para-choques de veículos maiores. Também ignora solenemente os atropelamentos e ameaças à vida do ciclista, sejam intencionais, por imperícia ou negligência na condução do veículo maior. Mostra desconhecimento do Código de Trânsito e da prioridade de circulação nas vias. Passa ao largo do respeito à vida, do compartilhamento, do uso comum do espaço público. E atropela todas as noções de civilidade ao isentar motoristas de culpa, atribuindo-a única e exclusivamente ao ciclista, usando um exemplo de claro desrespeito à vida como regra geral e suposta falha do ciclista. Afinal, quem é louco de andar de bicicleta nas ruas? O lugar delas é no parque…
Além de divulgar um conceito distorcido em um veículo oficial – o que obviamente traz questionamentos sobre a política do governo sobre o assunto – o texto encerra com a recomendação do médico para resolver o problema das mortes de ciclistas no trânsito: deixar de usar a bicicleta como meio de transporte. Matérias desse tipo em um veículo que traz consigo o peso de declaração oficial aumentam a agressividade com ciclistas nas ruas, por parte de motoristas que passam a ter certeza de que aquela bicicleta não deveria estar ali e aquele idiota que atrapalha o trânsito deve ser punido por isso.
Se a matéria fosse sobre atropelamento de pedestres, a recomendação seria deixar de andar nas ruas. Quer atravessar a avenida? Tome um táxi. Afinal, você pode se assustar com um carro em alta velocidade, tropeçar e cair na sua frente – e será essa a causa do acidente.
Ignorando o elefante na loja de cristais
Mikael Colville-Andersen chama isso de ignorar o touro na loja de porcelana. Abrasileirando a expressão, ignorar o elefante na loja de cristais.
O uso excessivo do automóvel, a infraestrutura viária que estimula esse uso, o excesso de velocidade, a ingestão de álcool antes de dirigir, a priorização ao transporte individual motorizado, a falta de reconhecimento e aceitação da bicicleta nas ruas, a impunidade aos crimes de trânsito e os exames de habilitação pouco objetivos (e passíveis de serem “comprados”) são algumas das causas para tantas pessoas morrerem no trânsito todos os dias. Não apenas ciclistas, mas pedestres, motociclistas e até mesmo condutores e passageiros de automóveis, ônibus e caminhões.
Mas é muito comum ignorar tudo isso, avaliando a questão por uma ótica pessoal, para discorrer sobre os perigos de se usar a bicicleta. A culpa é do ciclista, que não deveria estar na rua. É do pedestre, que demorou demais para atravessar. Mas é raro questionar a conduta do motorista, ainda que pela lei e pelo bom senso seja ele o responsável pela segurança dos que estão em veículos menores (ou sem veículo algum). Veja: se eu resolver andar em um local cheio de gente carregando um objeto enorme, que pode ferir fatalmente ao menor descuido, de quem é a obrigação de tomar cuidado para que nada de errado aconteça?
A comparação com o elefante na loja de cristais é inevitável: em vez de tirar o elefante de lá (ou ao menos adestrá-lo a não esbarrar em nada), recomendam colocar proteções no topo de cada taça para que não quebrem ao cair; colocar proteções entre elas e o elefante, restringindo as taças para os locais protegidos, ainda que sejam parte ínfima da loja; ou até, como nessa matéria, retirá-las da loja. Deixem o elefante em paz. Afinal, a loja foi feita para elefantes, quem não deveria estar ali são as taças.
Outro lado
O Estadão, ao abordar o assunto, teve o profissionalismo de ouvir a opinião também de um especialista no uso de bicicletas nas grandes cidades. Em contrapartida à opinião de outro médico, que conta que 90% dos ciclistas estão sem capacete no momento do “choque” com outros veículos (como se essa falta causasse os atropelamentos), Thiago Benicchio, Diretor da Ciclocidade, afirma que o grande número de acidentes se deve a uma relação desproporcional de pesos e velocidades dos carros e à agressividade dos motoristas.
“Essa relação só será menos desigual quando houver mais educação da população para aprender a dividir as ruas, mais infraestrutura, com ciclovias e ciclofaixas, e diminuição da velocidade máxima”, diz Benicchio ao Estadão. Para ele, a velocidade máxima em avenidas deveria ser de 50 km/h e em vias expressas dentro da cidade não poderia ultrapassar 70 km/h. Leia a matéria completa.
ótimo post Wilian! depois de ler a matéria do jornal ia falar da ignorancia citada pelo médico de não usar as bicicletas mas o exemplo do elefante foi ótimo! As pessoas deveriam pensar mais antes de imprimir as coisas.
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Independente da matéria quero dar os parabéns aos ciclistas dispostos a serem os desbravadores no trânsito infernal de São Paulo, muitos vão se acidentar e alguns vão morrer. Obrigado, alguns terão que se sacrificar pelo bem de todos…
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Barbara, aposto que devem haver bem mais de 9 pessoas internadas diariamente por estarem andando a pé e serem atropeladas. Seria melhor parar de andar a pé?
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9 ciclistas são internador por dia em São Paulo???? Não sabia…………. posso discordar do resto da matéria, mas o choque com essa notícia é tão grande que to pensando em parar de ir de bike pro trabalho.
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Gostei da ideia do governo, transformar toda a cidade em um parque,ai não teria mais que se preocupar com os ciclistas..
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Que piada esse governo de SP… hahahahahahah
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Esse medico deve um dia andar de bicleta nos grandes centros para ver o que é ser ciclista,
no minimo é uma pessoas que se locomove em carros importado e não tem noção do que esta falando.
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é pouco, mas é o começo: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/07/apos-criticas-texto-do-diario-oficial-governo-diz-ser-favoravel-bicicletas.html
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Na matéria do G1, leiam os comentários de Cassio Bertani e Silas de Oliveira, por exemplo, pra ver qual o senso comum: ciclista “não paga IPVA (pra minha bicicleta não chegaria a 20 reais por ano)”, “quer direitos sem deveres”, “não respeita ninguém”. São muitos os que pensam assim, por isso as ações tem também que ser no sentido de mostrar que IPVA não é passe livre pra circular, que a cada dever corresponde um direito, e que quem não respeita ninguém pode estar a pé, de bike ou de carro, nesse último caso ainda é pior. Realmente é pouco, mas nem é o começo, já devia estar bem mais adiantado esse processo.
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É como dizer que ter mais filhos aumenta o número de crianças que morrem no parto.
O que que tem a haver o Olho com as Calças!? Como disse o próprio Governador outro dia: “Educação vem de Dvco, do latim e significa saber conduzir-se em sociedade”
Eu discordo! Pelas pesquisas que fiz Educar tem origem, ainda latina, mais provável na palavra “E-Ducere” que significa Conduzir-se Para Fora, o que ainda nos levaria ao conceito de saber se relacionar, mas de um modo muito mais completo.
Precisamos saber nos conduzir, mesmo que de casa ao trabalho respeitando os demais seres humanos e seus meios de transporte – é assim que a bicicleta é definida pelo código brasileiro de trânsito: Meio de Transporte.
Pensemos então: Este é um meio de comunicação OFICIAL do Estado, representado pelo Sr, Geraldo Alckmin. O Estado é o Poder Executivo, cabe a ele, NÃO julgar, NÃO legislar: apenas fazer valer, executar.
Poderia por horas avaliar e criticar as atitudes dos governos Alckmin, Serra, Kassab, mas isto seria “chover no molhado” – apenas. Porém chego a uma conclusão óbvia: Já deu! É muito “mais do mesmo”, muita noticia requentada e pouca atitude.
Transporte digno, educação a todos (e de alto padrão), moradia (digna) próxima ao postos de trabalho. Claro que não é fácil, por isto votamos com uma consciência cada vez maior. Quem sabe quando o financiamento das campanhas for público veremos mais sobriedade e menos Cachoeira. Mas será que Eles querem insto?
Eu já tenho meu candidato para esta eleição municipal: Aliás enviei e-mail solicitando que concorresse a tal cargo e por sorte terei o orgulho (ao menos no primeiro turno) de votar em uma pessoa que encara questões polêmicos de frente.
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O mesmo Diário Oficial poderia publicar uma matéria entitulada: “Mais pessoas, mais mortes”. A matéria discorreria sobre o maior número de atendimentos médicos e óbitos causados pelo fato de haver uma maior população no Estado de São Paulo, e, no final um especialista sentenciaria: “Se você não quer morrer, o ideal é não nascer”.
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Podiam colocar um coveiro assinando a materia!
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Relatório da Associação Médica Britânica: “Carros matam. Carros engordam. Reduza o espaço para os carros e aumente o espaço para ciclistas e pedestres”. Bem que nossos médicos poderiam aprender com os de lá:
http://www.bikehub.co.uk/news/sustainability/curb-car-use-urges-bma/
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Excelente matéria!!! O uso da bicicleta em prol da mobilidade urbana é um movimento que veio para ficar. Precisamos de mais bikes na rua, para criar o respeito mutuo no transito entre os vários meios de transporte.
Luciana Nicola
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