Ciclistas em Balneário Camboriú - Foto: Fernanda Tomiello (Creative Commons)

Ciclistas em Balneário Camboriú. Foto: Fernanda Tomiello, via Flickr

Restrição a bicicletas em Balneário Camboriú causa polêmica nacional

Projeto de Lei da cidade catarinense tem causado indignação e fortes reações nas redes sociais. Entenda a situação e veja como ajudar.

Ciclistas em Balneário Camboriú - Foto: Fernanda Tomiello (Creative Commons)
Ciclistas em Balneário Camboriú. Foto:Fernanda Tomiello, via Flickr

Um Projeto de Lei da cidade de Balneário Camboriú (SC) tem causado indignação e fortes reações nas redes sociais. Ciclistas e apoiadores da mobilidade sustentável têm divulgado com pesadas críticas o projeto de lei do vereador e presidente da Câmara Municipal, Nilson Frederico Probst (PMDB), que tem potencial para restringir o uso da bicicleta na cidade. A página do Vereador no Facebook também tem recebido mensagens, algumas ofensivas, que acabam sendo respondidas com um texto padrão.

A cidade de Balneário Camboriú é litorânea, tem relevo plano e atrai muitos turistas – um perfil ideal para se incentivar o uso da bicicleta, o que poderia incluir até passeios para quem a visita e um sistema de bike sharing, para evitar os congestionamentos da alta temporada.

 

O Projeto

O Vá de Bike analisou o Projeto de Lei, disponível no site da Câmara. O projeto não proíbe, especificamente, o uso da bicicleta nas ruas da cidade. Entretanto, proíbe skate e, pasmem, patins, em quase todos os lugares, definindo que devem ser utilizados em ciclovias e nas ruas – e sem realizar manobras.

No que diz respeito à bicicleta, a maior parte de seu texto é totalmente dispensável e irrelevante, por legislar sobre o que já está definido no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que tem força de Lei Federal e portanto não pode ser alterado por Lei Municipal.

Na prática, o texto restringe bicicletas em praças, parques e canteiros, mas sua interpretação literal pelo poder público municipal pode levar a conflitos com ciclistas, proibições ilegais de circulação em ruas e avenidas da cidade, apreensões de bicicletas e multas.

Veja aqui o que a Lei Federal já define sobre o uso de bicicletas nas vias públicas de todo o país.

Enquanto Balneário Camboriú fizer parte da República Federativa do Brasil, terá de seguir o CTB.

 

Proibições

O artigo 1º tenta dar à proposta uma força que ela não tem, dizendo que o trânsito e uso de bicicletas na cidade passará a ser regido por ela. Há a Lei Federal, portanto a validade dessa afirmação é nula.

Entretanto, o texto inclui “skates, triciclos, patinetes motorizados, patins e similares” e considera também “praças, caminhos ou passagens de domínio público”. Para esses casos, não abordados pelo Código de Trânsito, nosso entendimento é que a Lei seja válida.

Em seguida, no artigo 2º, o Projeto proíbe bicicletas e os demais veículos/equipamentos citados em “calçadas, praças, passeios, canteiros e áreas ajardinadas”, com a exceção das bicicletas infantis. Mais adiante, o PL define que todos os veículos/equipamentos descritos citados devem circular em ciclovias ou nas ruas.

 

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Contrariando o Código de Trânsito

Tudo que está especificado nos artigos 3º e 4º, referindo-se ao uso da bicicleta nas ruas já está definido, praticamente da mesma forma, no Código de Trânsito – Lei Federal 9.503. Mesmo o inciso I do artigo 3º, apesar de redigido de uma forma que causa irritação por parecer bastante restritivo, está coberto pelo CTB: a bicicleta deve, sim, circular em ciclovias, porém apenas quando elas existirem (o que é explicitado logo abaixo, no próximo inciso do PL).

Entretanto, o mesmo inciso II que garante o direito de usar a via, traz uma incoerência neste trecho: “pela direita da pista junto a guia da calçada”. Além da falta de crase, esse trecho contraria a Lei Federal, já que o art. 58 do Código de Trânsito especifica que a bicicleta deve circular “nos bordos da pista de rolamento”.

Obrigatoriedade de circular na direita da via

Notem o plural, no texto do CTB: bordos. Ou seja, ambos. Em uma via de mão única, a bicicleta pode usar a faixa da esquerda, como já comentamos aqui no Vá de Bike.

Apesar de ser um procedimento não indicado na maioria das ruas (especialmente em avenidas), pode ser mais seguro em vias de baixa velocidade em que o estacionamento de automóveis seja permitido na faixa da direita, para salvaguardar os ciclistas da zona de portas.

Obrigatoriedade de circular junto ao meio-fio

O CTB define como bordo a “margem da pista, podendo ser demarcada por linhas longitudinais de bordo que delineiam a parte da via destinada à circulação de veículos”. Não havendo tais linhas, a largura do bordo fica em aberto. Geralmente, a linha de bordo aparece apenas em intersecções e saídas, junto a uma área zebrada, e deve ser desconsiderada caso demarque espaço que seja insuficiente para a circulação segura.

E se o objetivo é a segurança do cidadão, como justificou o vereador em nota, a decisão também é equivocada: além de ser a área com mais buracos, grades, falhas no asfalto e sujeira que pode desequilibrar o ciclista ou furar um pneu, trafegar muito no canto coloca o ciclista em risco de toque com os automotores, o pode resultar em óbito. Saiba mais aqui.

Alguns cidadãos também demonstram preocupação com essa obrigatoriedade prevista na lei, que poderia ser usada como justificativa para proibir a circulação de bicicletas em vias onde houver área de estacionamento na direita, impedindo a proximidade com o meio-fio. Mas precisamos deixar claro que isso contradiz as normas de circulação previstas no Código de Trânsito, inclusive a preferência de circulação das bicicletas sobre os automotores. Se for levado adiante, o município terá um problemão pela frente.

Apreensão de bicicletas e multa a ciclistas

O Código de Trânsito Brasileiro prevê uma única situação em que uma bicicleta pode ser apreendida, definida pelo artigo 255: pedalar na calçada. A penalidade é a multa, com apreensão da bicicleta como medida administrativa para garantir o pagamento.

Deve ser emitido recibo no momento da apreensão, que permita realizar o pagamento da multa e retirar a bicicleta. Se não houver recibo específico para isso, a bicicleta não pode ser apreendida. E, salvo engano, como o CTB não prevê apreensão ou multa para as outras infrações definidas no artigo 4º desse Projeto de Lei (contramão, ultrapassagem inadequada, etc.), o município de Balneário Camboriú não poderá fazê-lo.

Município não pode legislar sobre o trânsito

O inciso XI do Art. 22 da Constituição da República Federativa do Brasil é clara em especificar que “compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte”. Um município só pode legislar sobre esses assuntos quando o Código de Trânsito, que é uma Lei Federal, abrir essa possibilidade.

É o caso do artigo 21 do CTB que, entre outras coisas, atribui aos municípios a responsabilidade sobre garantir a segurança de ciclistas – algo com o que a casa legislativa da cidade deveria se preocupar bem antes de pensar em criar restrições de circulação.

Falta de estudo

É clara a falta de um estudo adequado para a proposição do PL. Houvesse um estudo prévio, ainda que apenas estatístico, descobriria-se quais são as reais causas dos acidentes com ciclistas e como agir para evitá-los.

A falta de análise prévia do tema é ainda mais flagrante se considerarmos a denúncia do site Página 3, que afirma que o PL foi copiado de outro município.

Mais informações

Vale ler a análise da ACBC, em documento que solicita o arquivamento do PL e a elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana para o município, em atendimento à Lei 12.587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana).

 

Segurança

Medidas restritivas não são o caminho para garantir a segurança dos cidadãos que utilizam a bicicleta para se deslocar em uma cidade. O direito a um deslocamento seguro precisa ser garantido a todos os cidadãos, circulem eles a pé, de bicicleta, skate, patins, carro, moto, ônibus ou caminhão. O Código de Trânsito obriga o município a garantir essas condições de segurança.

Claro que o comportamento do ciclista influi nessa segurança, mas o comportamento dos demais usuários da via é fundamental para que esses deslocamentos se tornem seguros.

diversos artigos na legislação vigente que regulamentam como os motoristas devem proceder ao encontrar uma bicicleta no viário à sua frente, que devem ser divulgados e fiscalizados pelo poder municipal para que a conduta segura seja também praticada pelos motoristas. Quem se desloca com mais velocidade e em um veículo muito mais pesado é, na maior parte dos casos, quem pode evitar efetivamente o atropelamento.

Se os carros passam muito rápido e muito perto dos ciclistas, com aval do poder público, há pouco que estes possam fazer para garantir sua segurança. Afirmar que ciclistas devem pedalar junto ao meio-fio é institucionalizar uma situação de risco para quem pedala, colocando a bicicleta como clandestina no viário, em vez do veículo que ela legalmente é.

Leia aqui no Vá de Bike nossas considerações sobre fiscalização de motoristas e educação de trânsito.

 

Representantes da sociedade civil são recebidos na Câmara Municipal, para pedir o arquivamento do PL. Foto: Gabinete do vereador Nilson Probst

Pressão popular não abala vereador

Diante da repercussão, o vereador aceitou conversar com cidadãos que defendem o uso desse meio de transporte sustentável na cidade, em encontro realizado na terça-feira 19 de fevereiro.

Em nota, o vereador afirmou que esse diálogo era justamente o objetivo do projeto, mas não explicou por que então ele havia entrado na pauta de votação dias antes, sem que a população tivesse sido consultada. Segundo o site Página 3, a discussão pública só ocorreu porque alguns vereadores se recusaram a votar o projeto sem a participação da população.

Estiveram na reunião representantes da Associação de Ciclismo de Balneário Camboriú e Camboriú (ACBC) e também da Associação de Skate da cidade (BCSB), além de outros moradores da cidade interessados na discussão. A ACBC protocolou ofício requerendo o arquivamento do Projeto de Lei 121/2012 e “o início do processo de elaboração da Lei da ‘Política Municipal de Mobilidade Urbana Sustentável’, em atendimento à Lei Federal 12.587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana)”.

Os maioria dos presentes se opôs ao PL e muitos solicitaram seu arquivamento, mas Probst mostra-se irredutível. Segundo a ACBC, serão aceitas propostas de emendas, o PL não será retirado da pauta. O vereador do PMDB não se pronunciou sobre o requerimento de elaboração do Plano Municipal de Mobilidade Urbana.

“Na essência, o PL continua tratando skatistas como arruaceiros, gera conflitos com ciclistas ao adensar ainda mais as escassas e inadequadas ciclovias e, ao invés de garantir direitos e de melhorar as condições de segurança dos meios de transporte não motorizados, se concentra apenas nas obrigações e deveres destes”, afirma texto no site da ACBC.

 

Sua ajuda é importante

Participe do abaixo-assinado que pede o arquivamento do Projeto de Lei. No fechamento dessa matéria, a petição já contava com cerca de 6500 assinaturas.

Entre em contato com os 13 vereadores da cidade, por e-mail ou telefone, para sensibilizá-los quanto à inadequação do PL à realidade da mobilidade em bicicletas e à legislação em vigor no país.

Divulgue, compartilhe e remeta à imprensa essa discussão, para que essa visão retrógrada e limitada sobre a bicimobilidade não se torne referência para outras localidades.

13 comentários em “Restrição a bicicletas em Balneário Camboriú causa polêmica nacional

  1. Hoje em Uruguaiana meus filhos de 8 e 9 anos foram proibidos de circular de andar de bicicleta. Há alguma lei federal proibindo? Tem alguma norma que defina o que é bicicleta infantil? Não vi nenhuma placa na praça proibindo a circulação de bicicletas.

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    1. (Agora sim.)

      Mas eles estavam pedalando na rua ou na praça, Laura? De qualquer forma, creio que seja norma municipal, já que também cabe aos municípios esse tipo de regulamentação (claro, sem ferir o Código Brasileiro de Trânsito). Então acho que você deve procurar maiores informações com a autoridade de trânsito local.

      O curioso… o curioso é que o Código Brasileiro de Trânsito nem estipula idade mínima para se conduzir bicicletas em vias pública. Fora delas, (em calçadas, parques, etc.) uns falam até 12 anos, outros 14, outros…

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  2. [Comentário oculto devido a baixa votação. Clique para ler.]

    Esse comentário não tem feito muito sucesso. Thumb up 0 Thumb down 7

  3. Confesso que fiquei admirado ao saber desse projeto de lei… e justo em Camboriú, cidade onde estive em 1989 e gostei muito.

    Um projeto desses inviabiliza o usa da bicicleta numa cidade plana e bonita como essa… agora imagine um turista que deseje passear de bike pela cidade, como vai ficar.

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  4. Um dos problemas que precisamos atacar e pensar numa maneira de resolver seria essa questão da desobediência de alguns (muitos?) de nós pelas leis mais básicas de trânsito e mesmo de convivência com outras bicicletas e principalmente pedestres. Ver (e ser atrapalhado por) bicicletas trafegando pela contra-mão é algo habitual. Na região da Av. Paulista, já vi diversas vezes ciclistas desobedecendo os sinais de pedestres de maneira irresponsável, passando entre as pessoas atravessando de forma ameaçadora e em velocidade elevada. E, claro, ciclistas trafegando pelas calçadas (trafegando mesmo, não apenas entrando/saindo de uma garagem ou prédio). Esses comportamentos acabam por criar e incentivar apoiadores para essas leis restritivas às bicicletas. E o maior problema é que não basta chegar e falar que os ciclistas devem seguir as mesmíssimas regras que os veículos automotores, pois isso inviabilizaria o uso da bicicleta como meio de transporte. Por exemplo: uma bicicleta não oferece perigo ao passar um semáforo de pedestres vermelho desde que em baixa velocidade e se, e somente se, não há mais pessoas atravessando. Não se poderia fazer essa concessão para automotores devido a sua massa, aceleração, visibilidade ao exterior e velocidade. Então, como evitar esse conflito entre os ciclistas e os outros participantes do trânsito, que está gerando essa reação negativa? Na minha humilde opinião, podemos nos adiantar e propor leis que disciplinem o uso da bicicleta, antes que pessoas sem conhecimento do problema, como esse vereador, as proponham.

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  5. Balneário está muito bom para bike a para pedestres. Estive lá esse ano. A preferência na região central é bem clara para o pedestres com diversas travessias elevadas. Para bike as ruas em geral são de baixa velocidade (no centro).
    Me espanta esse projeto desse vereador. A unica situação que realmente me preocupa são ciclistas que teimam em pedalar e rápido nos diversos calçadões, normalmente cheios. Isso sim deveria ser monitorado, pois prejudica a visão como um todo da mobilidade por bicicletas.

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  6. O projeto de lei em Camboriu é uma afronta a legalidade, mas essa não é questão. Se fosse, já estaria arquivado. Ou melhor, se na câmara houvesse alguém disposto a respeitar a lei, pronto, não haveria motivos,para discutir o tema.
    O problema é que o projeto contraria a vontade da população. A preocupação do vereador não é,com a segurança dos usuários, se,fosse, respeitaria a vontade destes. Pasmem mas sua peocupaçao é com o engarrafamento na cidade. Pensa ele que bicicleta, skate, etc, atrapalham o trânsito. Os ônibus de turismo circulando pelo centro, estacionando em hotéis e trancando as estreitas vias em nada prejudicam o trânsito, segundo a inteligente visão de ilustre legislador. Vá entender.

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  7. Bicicleta é um VEÍCULO e como tal deve trafegar na rua, não na calçada, mas também, não no meio fio esburacado das ruas. Esse “projeto de lei” só vem a prejudicar quem transita corretamente de bicicleta, que é ocupando uma faixa da via. Sugerir que alguém ande no meio fio é impor uma preferência aos carros, que é totalmente contrária ao CTB, pois subtrai a margem de segurança de 1,5m que os carros devem ceder ao ultrapassar uma bicicleta, além de expor o ciclista a um grande risco de acidentes graves, muitas vezes causados pelo toque de retrovisores dos carros no guidão ou até mesmo uma simples buzinada. O dever dos municípios é promover o uso da bicicleta e garantir vias seguras com preferência para pedestres e ciclistas, e não se meter a “passar por cima” de leis federais.

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  8. Proposta totalmente fora do contexto atual da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Estamos solicitando o arquivamento do projeto e uma mobilização pelo Projeto Municipal de Mobilidade Urbana sustentável na cidade. Obrigada pela divulação!

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  9. Inerente a PL-0131 mas não podemos mais continuar com o desrespeito de ciclistas andando contra a mão nas via públicas, desrespeitando a sinalização enfreentando os pedestres em passeios públicos, ciranças de 12 … 14 anos andando livremente com estes patinetes nos passeios e via públicas chegando a cinquenta por hora, sem segurança nenhuma, sendo que para qualquer Joggue, motoneta o cidadão deve ter completado seus 18 anos, ter carteira para conduzir e devidmente equipado com capacete, errado tambem o uso do Skates em vias públicas e passeios e praças colocando em risco o pedestre e a sua propria vida disputando espaço no trânsito … cabe aqui sim uma regulamentaçao …

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  10. Muito feliz a explanação do Vá de Bike!

    Uma Carta Aberta solicitando o arquivamento do projeto e uma aceleração nas reuniões para se iniciar um Projeto Municipal de Mobilidade Urbana Sustentável, juntamente com o abaixo-assinado, também foram protocolados na Câmara de Vereadores.

    Obrigada!

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