Senadores foram até o Ministro da Economia com números fornecidos pela Abraciclo, que representa as indústrias de bicicletas sediadas em Manaus. Foto: Alan Santos/PR

Revisão do imposto sobre bicicletas envolveu até Paulo Guedes

Mudança representa aumento na alíquota de 30% que já estava em vigor e atende a solicitação de empresas sediadas em Manaus

A redução no imposto de importação de bicicletas inteiras, que tinha deixado ciclistas e boa parte do setor animados em fevereiro, foi revertida nesta quarta, 17 de março. O Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) voltou atrás na decisão que o próprio órgão havia determinado menos de um mês antes, em sua Resolução 159.

Aumentada excepcionalmente para 35% em 2011, a alíquota de imposto seria baixada gradualmente ao longo de 2021, até retornar aos 20% originais. O primeiro “degrau” dessa redução foi no início de março, quando o imposto passou para 30%; agora, o imposto sobe para 31,5%. Embora ligeiramente inferior aos 35% praticados nos últimos 10 anos, a nova alíquota é 57,5% maior do que original, que o mercado de bicicletas esperava ter para 2022.

A medida já havia sido anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e até publicada no Diário Oficial da União. A primeira redução já estava em vigor desde 1º de março. Ainda assim, o Gecex revogou sua Resolução, cedendo à pressão das indústrias de bicicletas sediadas em Manaus. Essa mobilização envolveu senadores da bancada do Amazonas e até o próprio Ministro da Economia, Paulo Guedes.

Empresas de Manaus pediram revogação

Segundo matéria do G1, o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, comentou sobre o apelo dos fabricantes em coletiva de imprensa virtual após a reunião do Gecex.

“O próprio setor apresentou um pedido de reconsideração. É normal nesse tipo de processo. Então, nesta análise do pedido de reconsideração do setor, nós fizemos ok, entendemos o que vocês estão dizendo e vamos colocar vocês na lógica geral que estamos adotando para todos, uma redução de 10%”, afirmou.

Mas essa alegada redução não significa, nem de perto, 10% a menos de imposto. Significa que a alíquota terá 10% de redução em relação ao que era cobrado até fevereiro (35%). A verdade é que a redução, na prática, será de 3,5% no imposto cobrado, já que a alíquota passa de 35% a 31,5%. Ou, por outro ângulo, um aumento de 1,5% em relação ao que estava em vigor desde o início do mês (30%).

Senadores mobilizados

Os senadores Eduardo Braga (MDB), Omar Aziz (PSD) e Plínio Valério (PSDB), todos representantes do estado do Amazonas, já haviam apresentado um Projeto de Lei (PL) que cancelaria a Resolução 159 do Gecex, retornando a alíquota de importação aos 35% anteriores.

No PL, a alegação dos três parlamentares era de que a medida traria “enorme risco de desindustrialização para o setor”, comprometendo “a própria Zona Franca de Manaus” e afirmando que o corte ocorreria “em curto espaço de tempo”. Mas na verdade a alíquota permaneceu elevada a 35% por quase dez anos e a redução ocorreria gradativamente ao longo de dez meses. Não é pouco tempo.

Os três senadores admitiam na justificativa do PL uma possível redução, porém “condicionada a um conjunto de melhorias no ambiente de negócios no país, inclusive por meio de simplificação tributária e do aumento da eficiência aduaneira e logística”.

O discurso dos representantes do Amazonas no Senado é bastante semelhante ao adotado pela Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares), entidade que agrega as fabricantes instaladas no Polo Industrial de Manaus (PIM): Caloi, Houston, Oggi e Sense. O PL usa inclusive dados fornecidos pela associação para construir sua justificativa.

Em nota enviada ao Vá de Bike quando da publicação da Resolução, a Abraciclo já afirmava que “as empresas vinham negociando com o Governo Federal a necessidade de se reduzir o custo Brasil e, com isso, aumentar a competitividade, paralelamente à adoção de medidas de abertura comercial”.

Projeto de Lei para impedir a redução do imposto teve forte rejeição pela população. Imagem: Senado Federal

Apelo a Paulo Guedes

Uma reunião com Guedes havia ocorrido em 23 de fevereiro, cinco dias após a publicação da Resolução 159 e mesmo dia em que o Projeto de Lei foi apresentado. Dela participaram os três senadores do Amazonas, todos os oito deputados federais do estado, um deputado do Piauí e membros do Ministério.

O ministro comentou que não sabia da redução de alíquota e os técnicos da pasta afirmaram desconhecer impactos negativos, mas os parlamentares apresentaram seus argumentos e saíram com a promessa de que a medida seria reavaliada.

Apesar disso, o Projeto de Lei seguiu tramitação, mas estava com enorme rejeição popular, mostrada pela Consulta Pública realizada no site do Senado. Havia risco caso o PL fosse à votação, pois outros senadores poderiam se sensibilizar com a opinião pública. Antes que isso pudesse acontecer, houve a intervenção do Ministro da Economia, Paulo Guedes.

No dia em que seria votado (16 de março), os senadores optaram por retirá-lo da pauta, evitando assim o risco de reprovação. Mas de acordo com os senadores, o motivo foi uma ligação de última hora do Ministro da Economia: “O PDL estava previsto para ser votado na pauta de hoje. Mas ontem o senador recebeu uma ligação do ministro Paulo Guedes dizendo que iria resolver a situação na reunião do Gecex, prevista para amanhã. Diante dessa informação, o senador pediu que o PDL fosse retirado de pauta e incluído na pauta de quinta”, disse a assessoria do senador Eduardo Braga.

O próprio senador declarou que havia um “compromisso” do Ministério de que a redução de imposto seria cancelada pelo Gecex. “Recebemos o compromisso do Ministério da Economia de que a matéria está pautada para o dia de amanhã na reunião da Gecex e temos a expectativa de haver uma reversão à resolução anterior”.

A reunião do Gecex acabou revogando a Resolução 159, ou seja, cancelando a redução que já estava em vigor. E estabeleceu a alíquota em 31,5% – menos que os 35% que vigoraram na última década, mas ainda acima dos 30% que já estavam em vigor e muito longe dos 20% originais.

Senadores do Amazonas se mobilizaram para manter imposto elevado. Da esquerda para a direita: Eduardo Braga (MDB), Omar Aziz (PSD) e Plínio Valério (PSDB). Fotos: Senado Federal

Mudança impacta negativamente o segmento

A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) considerou a decisão um retrocesso para a economia nacional. “Reduzir a carga tributária do setor de bicicletas é um passo importante para tornar as bicicletas mais acessíveis à população”, afirmou a entidade em nota, onde aponta diversos aspectos negativos da medida.

De acordo com a Aliança, a alíquota normal aplicável no Mercosul é de 20%, mas o Brasil aumentou unilateralmente esta alíquota para 35% em 2011, “atendendo a um pedido de uma empresa” [que é de conhecimento público ter sido a Caloi]. “A inclusão de produtos na LETEC é uma medida temporária e excepcional. Ela gera distorções dentro do Mercosul. Neste caso, a diferença entre a alíquota aplicável no Brasil e nos demais países membros do bloco resultou em importações anuais de 4 milhões de bicicletas pelo Paraguai, um país que tem uma população de 7 milhões de habitantes. Ou seja, boa parte das bicicletas importadas pelo Paraguai têm o Brasil como destino de forma criminosa por meio de descaminho”, diz a nota.

“A alíquota de 35% atualmente aplicada pelo Brasil às bicicletas é a mais alta do mundo, sendo o limite máximo estabelecido pela OMC (Organização Mundial do Comércio) e superior à aplicada a produtos supérfluos como bebidas alcoólicas e cigarros. Mesmo 20% já é uma alíquota mais alta do que a média mundial”, aponta a entidade. A nota apresenta também tabelas mostrando que mesmo com uma alíquota de 20% “os produtores nacionais, especialmente os localizados em Manaus, continuam contando com um alta barreira tarifária e vantagens tributárias suficientes para sua proteção” e afirma que mesmo quando a alíquota era de 20% “a importação de bicicletas inteiras nunca representou uma ‘ameaça’ para a indústria nacional”.

A nota também faz críticas duras aos fabricantes sediados na capital amazonense, ao apontar que mesmo com a alíquota excepcionalmente alta durante 10 anos, “a empresa que pleiteou esta medida e seus pares localizados em Manaus não se tornaram mais competitivos e não desenvolveram tecnologia” e que apesar do Brasil ter exportado 22 mil bicicletas em 2019, “o Polo Industrial de Manaus não exportou nenhuma”. “Se a elevação da alíquota servisse para permitir o desenvolvimento da competitividade das empresas sediadas em Manaus, elas teriam passado a exportar e a produzir componentes de alto valor agregado, aumentando significativamente o número de empregos gerados, o que não ocorreu”.

A Aliança Bike chama de fake news a suposta perda de mais de 4 mil empregos na Zona Franca, citada pela Abraciclo, pelos senadores e utilizada inclusive para convencer o ministro Paulo Guedes. “as empresas de bicicletas localizadas no PIM geram 1.004 empregos diretos dos 8.000 existentes na indústria de bicicletas espalhada pelo país. Apenas o Estado de SP gera 3.781 empregos diretos na atividade de indústria de bicicletas. Não há nenhum elemento probatório que indique que o PIM demitiria as mil pessoas contratadas atualmente. Mesmo com a alíquota um pouco mais justa, o Polo de Manaus continuará importando com imposto de importação de 1,92%, continuará com isenção de IPI e de outros tributos, permanecendo com enorme vantagem competitiva sobre as demais empresas sediadas no restante do país. A alíquota excessiva de 35%, portanto, serve apenas para aumentar o lucro de algumas poucas empresas em detrimento do acesso da população a este produto essencial que é a bicicleta.”

Ainda em relação a empregos, a associação afirma que quem se beneficiaria diretamente com bicicletas mais acessíveis à população são as lojas de bicicletas, “que representam o setor que mais emprega no Brasil, com 15 mil empregos diretos” e que a redução da alíquota para 20% representaria “uma redução de pelo menos 11% no preço final da bicicleta”.

E finaliza apontando que a alta do dólar já tem sido suficiente para afetar negativamente o segmento. “Considerando que mais de 90% de todos os componentes de uma bicicleta são importados, a alta do dólar impacta diretamente no preço para o consumidor final, pois importadores e montadores são obrigados a repassar aos consumidores a diferença de câmbio. A volta da TEC de 35% para 20%, sua alíquota original, seria uma forma de compensar parcialmente os efeitos negativos da alta do dólar para o setor de bicicletas. Não obstante, o próprio frete marítimo, desde o início da pandemia, quintuplicou de valor, o que também tem afetado negativamente as importações.”

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