Medo de ciclista ou medo da própria consciência?

Publico abaixo o e-mail que enviei à BBC, a respeito da coluna de Lucas Mendes publicada em 30/08/05. Para entender o que escrevo abaixo, sugiro a leitura prévia do artigo da BBC, para que vocês não tenham sua opinião influenciada pela minha.

Seria interessante que mais gente também manifestasse sua opinião diretamente à BBC. O endereço deles é brasil@bbc.co.uk e, pelo site em português, acredito que entendam e esperem receber mensagens escritas em nossa língua.

—–Mensagem original—–
De: Willian Cruz
Enviada: sex 09/09/2005 16:08
Para: brasil@bbc.co.uk
Assunto: Indignação com a coluna de Lucas Mendes

Olá BBC

Estou indignado com a coluna de Lucas Mendes do dia 30 de agosto, intitulada “Medo de Ciclista”, que acabo de ler. Um repórter respeitável e competente como ele, com o histórico que tem, não deveria divulgar uma opinião como essa. Deveria, sim, ter consciência de sua posição de formador de opinião.

Ele usa sua coluna, onde certamente teria coisas mais interessantes a escrever e opiniões realmente relevantes a disseminar, para narrar um episódio em que por negligência feriu uma pessoa, afirmando que a vítima passiva do acidente é quem estava errada.

Ele começa o texto alegando que os ciclistas em Nova York andam na contramão, nas calçadas e desviam das pessoas em última hora. Mas no texto ele descreve o acidente: estacionou o carro, abriu a porta e derrubou um ciclista, que estava NA RUA, NA MÃO CORRETA e não estava indo em direção de pessoa alguma. O fato é claro: ele abriu a porta sem olhar e causou um acidente, que poderia ter causado a morte do ciclista caso houvesse outro veículo motorizado passando ao lado dele, pois o rapaz poderia ter sido jogado sob suas rodas.

Em outras palavras, ele começa o texto criando antipatia pela “classe” ciclista, para poder narrar sua experiência a um leitor influenciado pela introdução negativa. Um truque neurolingüístico desprezível.

Mais adiante, ele minimiza a situação dizendo que a vítima saiu do hospital sem nada quebrado, como se isso fosse argumento suficiente para garantir que o acidente “não foi nada”. Ora, a vítima passou CINCO HORAS no hospital! Não épossível que não tenha tido ao menos escoriações! E em uma queda dessas, mesmo que nenhum osso seja quebrado, há escoriações e luxações que podem ter conseqüências bem ruins, impedindo a pessoa de trabalhar e até de andar e por vários dias.

A seguir, há a seguinte frase: “E se aparecer uma destas inexplicáveis e invisíveis dores nas costas, destas que não deixam o sujeito trabalhar mais? Não há seguro que pague o resto da vida.”. Pois é, Mr. Mendes. Acho que dá para entender que o ciclista não tem culpa caso uma dor dessas apareça. Ao menos arque com as conseqüências do acidente, já que aparentemente você não aprendeu com o erro.

“Antes eu tinha medo de ciclista. Agora tenho pavor deles.” O texto dá a entender que os ciclistas são um perigo. Afinal, nós com nossos carros podemos machucá-los! E eles é que são o perigo?? As cidades foram feitas para as pessoas. Os carros vieram depois e são eles que deveriam se adaptar à presença das pessoas, não o contrário.

Na motorcracia em que vive o mundo, manifestam-se com freqüência pensamentos retrógrados como esses, vindos das pessoas mais cultas e “civilizadas”. Devemos ter medo das potenciais vítimas de nossos carros, que andam à solta aí pelas ruas, colocando a nós motoristas em risco? Ou devemos ter medo da arma com a qual movemos nossos corpos em grandes velocidades pelas ruas, muitas vezes sem a consciência de que um choque com um pedestre pode trazer dor e sofrimento a várias pessoas por tempo indeterminado?

É hora de revermos nossas atitudes ao volante. E é hora desse veículo de comunicação rever as opiniões que ajuda a formar, seja ativa ou passivamente. O texto em questão não é um artigo, uma matéria, uma reportagem, uma opinião sobre fatos relevantes: é apenas uma carta de desabafo, de negação de culpa, que só importa a quem a escreveu, pois nada mais é que uma lavagem de consciência, uma tentativa de desligar a mensagem que deve ter ficado martelando em sua cabeça, gritando “eu não tive culpa, eu não tive culpa, a culpa foi do outro!”. Deveria ter sido escrita a um psicólogo e não aos leitores do site da BBC. E o psicólogo provavelmente lhe instruiria a admitir o erro e aprender com ele, olhando antes de abrir a porta em vez de sair divulgando irresponsavelmente maledicências contra todo um grupo de pessoas apenas para aplacar sua consciência.

Fico no aguardo de um posicionamento desse veículo de comunicação e, como Lucas Mendes, vou divulgar minha opinião, ainda que de forma bem mais modesta.

Willian Cruz

7 comentários em “Medo de ciclista ou medo da própria consciência?

  1. Willian, gosto muito de seus posts, mas este parte de um pressuposto errôneo. Por que você acha que o ciclista estava na mão correta? Como você indicou, li o texto antes de ler seu post e entendi que ele estava na contra mão. Se não, não haveria o barulho de metal batendo no metal, já que a porta do carro é internamente forrada por plástico, couro, estofado (dependendo do carro) e geralmente tem peças de plástico para armazenar objetos. Além disso, o texto não diz claramente em que mão estava o ciclista, mas a introdução fala de ciclistas na contra mão.

    Sim, Lucas Mendes deveria ter olhado tanto para frente quanto para o retrovisor antes de abrir a porta. Só acho que seu protesto tem mais valor se não tiver informações adivinhadas e provavelmente erradas. E não acho que Lucas Mendes seja alguém tão omisso assim. Se ele já tinha “medo de ciclista”, ele provavelmente tomava algum cuidado com eles, não era um motorista sem consciência nenhuma. É bom, sim, que os motoristas tenham medo de atropelar um ciclista, porque se eles não tiverem não tomarão cuidado nenhum, como a maioria não toma.

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    1. Cris, até hoje eu não tinha pensado nessa hipótese. O que não significa que o pressuposto esteja “provavelmente errado”. Eu até diria “provavelmente certo”, porque a maioria dos ciclistas por lá pedala na mão correta.

      Você destacou um bom ponto e me suscitou a dúvida. Uma resposta da BBC ou do próprio autor do texto teria esclarecido essa dúvida – o que não se dignaram a fazer desde que enviei o e-mail, em 2005.

      Mas ainda que ele estivesse na contramão, o texto todo continuaria válido, à exceção do terceiro parágrafo.

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  2. A indignação é procedente, ciclistas são violentados diariamente nas ruas por motoristas estressados e “barbeiros”, além de ciclista sou motorista ha muitos anos e tenho visto grande desrespeitos aos ciclistas sérios numa grande cidade como São Paulo, fechadas desnecessárias, tirar finas de bikes e apertar o ciclista no trânsito !!! Para quê tudo isto ????

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  3. William, parabéns pelo seu email de indignação com a coluna do reporter Lucas Mendes. Infelizmente as leis e consciencia das pessoas ainda estão muito mais para os carros do que para as bicicletas. Parabéns pela iniciativa (apesar de estar lndo seu blog quase 2 anos depois de publicado).

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  4. boa noite! ficamos muito agradecidos pela atenção a Exodus agradece.ainda estamos construindo o site logo tera mais novidades.abraços.pedalar e ser livre.

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  5. Willian Cruz, parabens pelos comentários feitos a respeito do acidente causado pelo Mendes. Este fato deveria ser divulgado em jornais de maior circulação, como Folha de S. Paulo e Estadão.

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  6. Houve resposta por parte da BBC?
    Nunca fui muito fã do Lucas Mendes, mas depois dessa, ele caiu em desgraça comigo. heheheheheh. Ele devia agradecer ter sido acertado por um ciclista e não por um outro carro ou caminhão… Bom, talvez da próxima vez.

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