A ponte estaiada

Foto: Ciclo BR

O Estilingão (vulgo ponte Octávio Frias de Oliveira) será inaugurado nesse sábado de manhã. A ponte tem nome de dono de jornal e liga a avenida com o nome de dono de rede de TV ao maior estacionamento da América Latina, a Marginal Pinheiros. A Globo vende por insistência a idéia de que será o “novo cartão postal da cidade” (exemplos aqui, aqui e aqui, além das constantes chamadas na TV).

Solução para o trânsito?

Embora eu não consiga lhe atribuir o adjetivo bonita, a ponte chama bastante atenção pelo seu tamanho monumental e aparência inusitada. É impossível não reparar em uma obra desse tamanho. Mas o que mais me chama atenção é o investimento absurdo em uma obra que não vai resolve o problema do trânsito na cidade.

Muita gente acredita que sim. Principalmente a Globo, que hoje no SP TV anunciou que “espera-se que a ponte melhore bastante o trânsito na região”. Mas o problema da cidade não é falta de vias, é excesso de veículos. E quanto mais vias você cria, mais incentiva o uso dos carros. O que é preciso por aqui é incentivar o uso de alternativas ao carro, porque o trânsito só melhora se tiver menos carros na rua.

Parece óbvio, mas muita gente não percebe. E acaba acreditando que uma ponte que vai ligar um congestionamento ao outro resolve o problema. No máximo vai transferir o congestionamento para outro ponto…

Exclusão

Um investimento de R$ 230 milhões (e duas vidas de operários) para melhorar o trânsito na cidade deveria ter sido melhor direcionado. Gastaram 230 milhões para atender apenas os 30% da população que tem carro. Com esse valor, seria possível construir 100 quilômetros de corredores de ônibus, 1000 de ciclovias, manter faixas de pedestre pintadas em todas as esquinas da capital durante uma década. Ou fazer um pouquinho de cada. E até mais uma avenida, quem sabe. É muito dinheiro concentrado em uma pretensa solução para o trânsito que não ajudará em nada.

Ao menos poderiam ter feito uma ponte que atendesse a todos. Quem já tentou atravessar a Marginal a pé sabe o quanto isso é difícil: as pontes são muito distantes umas das outras, o acesso de pedestres geralmente é muito ruim e os carros não dão folga para os pedestres passarem. A travessia é bastante perigosa e não recomendo para quem tenha alguma característica especial de mobilidade (idosos, deficientes, crianças, etc). Quem passa por elas de bicicleta, também sabe o risco que representam.

A situação das demais pontes seria mais do que um bom exemplo, com o qual os projetistas, a CET e a prefeitura deveriam ter aprendido a lição e criado uma ponte acessível a todos. Mas não: com a desculpa de que ela leva à pista central da Marginal, ela só atende aos carros. Com um custo adicional muito pequeno em relação ao todo, poderia ter sido feita uma passarela, até mesmo de uso compartilhado entre pedestres e ciclistas, que acompanhasse a ponte até certo ponto e depois seguisse sozinha até a pista local do outro lado. Além de desrespeitar a lei, a ponte é uma injustiça social.

Desrespeito à lei

Há pelo menos dois desrespeitos à lei nesse complexo viário. Um deles é em relação à lei municipal 14.266, que determina em seu artigo 11 que “as novas vias públicas, incluindo pontes, viadutos e túneis, devem prever espaços destinados ao acesso e circulação de bicicletas, em conformidade com os estudos de viabilidade”. Essa determinação já vem desde 1990, em outra lei que foi substituída por esta, então não é nenhuma novidade.

O outro desrespeito é em relação à mudança de nome da Avenida Águas Espraiadas, que foi rebatizada em homenagem ao “Jornalista” Roberto Marinho. O complexo viário todo teria esse nome, mas por alguma questão legal ou política resolveram mudar o nome da ponte. A lei municipal 13.180, de 2001, já determinava que só seria permitida a mudança de nome de ruas em caso de homonimia (ruas com nomes iguais ou muito parecidos) ou por se tratar de nome “suscetível de expor ao ridículo moradores ou domiciliados no entorno”. Obviamente não era esse o caso. A então prefeita Marta Suplicy mudou o nome da rua para fazer um agrado à rede de televisão, que tem amplas instalações em local próximo e anuncia esse nome de boca cheia ao exibi-la nas tomadas feitas por helicóptero.

Piquenique

Por todos esses motivos e talvez até mais alguns, cidadãos inconformados farão um evento paralelo para celebrar o “cartão postal” feito apenas para a parcela da população que usa o carro, o uso inteligente do dinheiro público na solução dos problemas na cidade, o monumento ao individualismo e à sociedade do automóvel.

Para saber mais

Monumento à sociedade do automóvel – ótimo texto, vale a leitura
Monumento ao congestionamento e à segregação
Piquenique na inauguração da ponte estaiada
Documentário Beyond Citizen Kane, que teve sua exibição proibida no Brasil pela Globo

6 comentários em “A ponte estaiada

  1. pena eu não visto este site antes… com certeza teria ido no tal “pique nique”… apesar de estar afastado do pedal por motivos de segurança (são incontáveis as reclamações na SPTrans dos abusos que motoristas de ônibus comentem, e as lotações também o fazem), além dos carros que não respeitam o direito LEGÍTIMO do ciclista de estar inserido no trânsito como “um meio de transporte”. Na região onde moro, não existe uma “convivência” entre os ciclistas, pois a harmonia que deveria de existir para exigir respeito não existe. Sou totalmente contra os “passeios ciclisticos” que em vez de orientar os participantes para seus direitos e deveres no trânsito, passam a idéia de que “pedalar deve-se sempre ter escolta policial, CET, prêmios, e outras barbaridades…

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