Em abril de 2012, após a morte do ciclista Lauro Neri na aveinda Eliseu de Almeida, cidadãos pintaram bicicletinhas no asfalto em protesto. A ciclovia, que deveria estar pronta há anos, teria salvo sua vida. Foto: Aline Cavalcante

Reação e ação

O caso do atropelamento de Lauro Neri mostra, mais uma vez, que a administração do município de São Paulo só age quando a população reage. Saiba como foi a manifestação e o que aconteceu durante a madrugada, horas depois da ação dos ciclistas.

Foto: Aline Cavalcante

Não é de hoje que as autoridades (e a polícia) monitoram as ações de manifestantes. Ficam na cola, acompanham cada passo, se infiltram, até filmam. Por vezes são agressivos, outras se escondem no discurso do poder.

O “gerenciamento de crise” que se faz em São Paulo é, em outras palavras, a preocupação com a manutenção do status-quo, com o fluxo da cidade-que-não-pode-parar. Nada nem ninguém pode “atrapalhar” a rotina do cidadão de bem.

Mas, afinal, quem é a cidade? Quem é o cidadão de bem?

Lauro Neri era baiano, trabalhava como pedreiro, tinha 49 anos, casado, pai de família e usava a bicicleta diariamente para trabalhar. Pagava seus impostos, tinha a vida suada e corrida – assim como muitos de nós. Mas seu direito de viver foi brutalmente interrompido na manhã do dia 03/04, pela velocidade cega de alguém.

O “acidente” envolvendo o Lauro atrapalhou o trânsito, causou congestionamento e deslocou agentes públicos para a Av Pirajussara, uma continuação da Eliseu de Almeida (local que era pra ter uma ciclovia de 15km desde 2010). Mesmo sem saber, mesmo sem querer, naquele dia o Lauro atrapalhou o fluxo e foi o culpado pelo estresse de muitos “cidadãos de bem”.

Mas indo de encontro a toda essa dinâmica doentia do fluxo de carros e individualismo que norteiam (e matam) o paulistano, dezenas de ciclistas se reuniram no local da tragédia para manifestar – mais uma vez – toda a indignação pelo desrespeito à vida do outro.

A nona Ghost Bike em São Paulo

O caminho até a Eliseu de Almeida já é algo bem desumano, com pontes, acessos rápidos que parecem de rodovias, pistas enormes. Terra de ninguém. Ao chegar na Av. Pirajussara, as ruas recapeadas, lisas e sem fiscalização viraram uma ótima opção para quem quer pisar fundo no acelerador.

Como não possuímos acelerador, permanecemos com a nossa velocidade humana e humilde das próprias pernas.

A via não possuía (até o dia da morte) absolutamente NENHUMA sinalização no asfalto. Nem faixas de rolamento, nem indicação de velocidade, muito menos faixas de pedestres.  Um erro grave, considerando que uma rua assim não poderia estar aberta à circulação, segundo o artigo 88 do Código de Trânsito Brasileiro.

 

A Reação

Bicicletinhas nasceram na Av Pirajussara. Foto: Aline Cavalcante

Diante daquele asfalto monocromático, muitas velas, cartazes e bicicletinhas brancas surgiram frente aos nossos olhos, em luto e em luta por todos os ciclistas que passam por ali e são, como nós, invisíveis ao trânsito dos outros.

Uma faixa de pedestres também foi brilhantemente pintada, entregue aos moradores da região e comemorada por quem precisa atravessar a rua. Tarefa difícil em São Paulo.

Por fim, penduramos mais uma Ghost Bike sob aplausos, buzinas e gritos incansáveis de “mais amor, nossa vida tem valor”.

A “bicicleta fantasma” ou “bicicleta branca” serve para lembrar que por ali passou um cidadão, que teve sua vida atropelada pela pressa de alguém.

No caso do Lauro, não só a pressa, mas a clara omissão do poder público – Prefeitura de São Paulo, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e Secretaria Municipal de Transportes (SMT) – em não sinalizar a rua nem construir a ciclovia prometida em 2007.

Ontem a noite escancaramos – mais uma vez – para todo mundo, a olho nu, o quão irresponsável e assassina é nossa administração pública. Não adianta fazer de conta que os ciclistas se arriscam de forma suicida ao utilizar as vias e que não são responsabilidade do poder público. São sim. A prefeitura tem a obrigação legal de tornar as vias seguras a todos os cidadãos (art. 24 do CTB).

 

A Ação

Atualização: A Prefeitura NAO APAGOU nossas bicicletinhas, ainda. Foto: Phil Steffen

Depois de 2 meses de asfalto recapeado e entregue à população sem nenhuma sinalização oficial, as autoridades finalmente tomaram uma atitude. Eficientes como nunca, rápidos como sempre.

Os agentes de trânsito começaram, horas depois do protesto, durante a madrugada, o trabalho obrigatório (que deveria ter sido feito dois meses antes) de sinalizar o corredor Pirajussara/Eliseu de Almeida.

Parafraseando a querida Sabrina Duran: O Lauro precisou morrer, os cidadãos precisaram se unir pra sinalizarem a via sozinhos, pintando bikes e faixa de pedestres no asfalto. A proporção dessa administração é perversa, 1 pra 1: uma morte para uma obrigação cumprida.

Descanse em paz, Lauro.

Veja as fotos da ação no Uol

Matéria exibida na Globo


Vale a leitura

Aos meus amigos e familiares motoristas (Sabrina Duran – Na Bike)

Pelo mínimo: a vida (Odir – As Bicicletas)

Eliseu de Almeida, a terra de ninguém (Renata Falzoni – ESPN)

14 comentários em “Reação e ação

  1. Vocês acham que comovem as pessoas com essas bikes brancas? Vi dois caras com muita raiva jogando na bike que ficou muito mais evidente por ser branca, um coco que eles tiveram a coragem de pagar na rua.

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  2. depois da campanha de proteção ao pedestre “cet”

    agora finalmente agora olharam pra nois ….

    vai começar a PPC campanha de Plano de Proteção ao CICLISTA …..

    AGORA EH NOSSA VEZ!!!!!!!!!!!!!!!!

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  3. Amigos,

    Faço o trecho ida e volta, Av. Rebouças – Taboão da Serra, acho que na Av. Elizeu de Almeida cabe uma ciclovia, e ja deveria ter sido feita construida, espaço tem de sobra nesta avenida!!

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  4. Realmente é triste ver o descaso das autoridades em relação à vida. Moro perto da Eliseu e sei o quanto ela é importante para os ciclistas, eu mesmo se houvesse uma ciclovia ali iria trabalhar de bike todos os dias, pois conseguiria chegar ao meu serviço sem muito esforço. Quem sabe um dia não realize esse sonho, até por que de trem e metrô não agüento mais.

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  5. Cai o argumento (fraco…) de que somente quando morre ciclista “rico” há mobilização. Independente do bairro, da marca de fabricação da bicicleta, da classe social da pessoa que pedala, os sinos dobram por todos nós.
    E, perdão pela falta de contexto, a rua ficou linda toda estampada por bicicletinhas!

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    1. na verdade isso foi devido a manifestação do GRUPO DE CICLISTAS. no caso de ciclista rico quem faz coro é a imprensa, logo não cai o argumento nada.

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      1. O argumento é usado por pessoas que querem minimizar as manifestações dos grupos de ciclistas, e por tabela rotulá-los de elitistas e de quererem macaquear os países europeus, por acharem “chique” usar a bike como transporte. A imprensa, ah, esta é uma relação de amor e ódio…

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  6. Aline, muito bem escrito.
    Parabéns por atentar para o fato de que as manifestações sociais (inclusive os vários protestos cicloativistas) são acompanhadas de perto pela polícia e poder público; e que mesmo assim as demandas não são ouvidas. Quando há sangue e publicidade da morte de algum ciclista, há reação. Me pergunto o que motiva essa reação. O que se perde ao não reagir depois de uma pequena tragédia? – já antes dela não havia ação.

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