Foto: Mário Canna Pires

Empresa de ônibus é condenada a pagar R$100 mil à família da ciclista Márcia Prado

Motorista que atropelou a ciclista também já havia sido condenado. Decisão abre importante precedente, apontando responsabilidade pelo comportamento do motorista.

Ghost Bike de Márcia Prado, na Avenida Paulista.
Ghost Bike de Márcia Prado, na Avenida Paulista.

A Viação Oak Tree foi condenada a pagar R$ 100 mil de indenização à família de Márcia Regina de Andrade Prado, que em janeiro de 2009 foi atropelada na avenida Paulista, enquanto se deslocava de bicicleta ao trabalho, por um ônibus da companhia conduzido pelo motorista Márcio José de Oliveira.

Márcia Prado em uma de suas cicloviagens.
Márcia Prado em uma de suas cicloviagens.

A condenação ocorreu após cinco anos de processo na Justiça, mas a empresa ainda pode entrar com recurso nos tribunais superiores em Brasília (DF). Caso isso ocorra, não há previsão de data para definição. Se não houver recurso, a familia receberá o valor assim que a seguradora (Companhia Mutual de Seguros) for intimada a pagar ou sofrer execução para cumprimento da sentença.

A decisão é importante por reconhecer a responsabilidade de uma empresa de transportes urbanos pela conduta criminosa de um de seus motoristas, criando jurisprudência para que outras vítimas também venham a ser indenizadas.

A Viação Oak Tree pediu falência em setembro de 2013, após enfrentar uma greve de seis dias de funcionários que reclamavam de salários e benefícios atrasados. O pedido de indenização não deve ser afetado, pois será pago pela companhia de seguros contratada pela empresa à época.

Para o irmão de Márcia Prado, Luís Henrique Andrade Ramos, a condenação da empresa “foi mais um passo positivo importante nessa luta por justiça e respeito, não só para os ciclistas, mas para todos os cidadãos. O avanço do uso da bike é irreversível em todas as cidades do país, principalmente nas metrópoles. Para ter segurança é necessário adaptação urgente.”

Conduta

A fundamentação do acórdão faz um relato resumido da conduta do motorista, destacando sua responsabilidade por outros usuários da via na condução de um veículo de grande porte, principalmente por ser um profissional com experiência. Veja abaixo os principais trechos:

O réu conduzia um veículo de grande porte, visualizou a ciclista na sua frente e mudou de faixa para ultrapassá-la. Exigia-se aqui que agisse com máxima prudência, certificando-se de que já a tinha deixado para trás e numa distância segura, bem como que se acautelasse também com sua integridade. Assim, não fazendo, concorreu culposamente para o evento.

Assim, levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, com as repercusões pessoais e sociais, os inconvenientes naturais suportados pelos parentes da vítima, seu nível socioeconômico, a indenização deve ser arbitrada em R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor suficiente para confortar o abalo indevidamente experimentado pelos autores, e, ao mesmo tempo, desestimular a conduta indigente da ré.

Buzinar e dar seta
não exime o motorista
de responsabilidade

Ademais, não nos parece crível que o motorista de um coletivo possa justificar sua conduta imprudente na condução de veículo de grande porte imputando à ciclista a culpa pelo evento, quando reconhece ter visto a vítima na via de rolamento. Ora, o simples fato de buzinar e dar seta indicando que pretendia mudar de faixa não se mostra suficiente para elidir a sua responsabilidade, pois deveria cercar-se de todas as cautelas possíveis para evitar o atropelamento.

A conhecida guerra vivenciada no trânsito das cidades impõe a prudência e o comedimento na condução dos automóveis. Na famosa e conhecida Avenida Paulista local do acidente impõe-se a necessária construção de um modelo de compartilhamento de diversos meios de transporte, dentre eles ônibus e bicicletas e a condenação da ré justifica o reconhecimento da necessidade dessa nova convivência pacífica.

“A conduta culposa do condutor do coletivo
é mais comum do que se pensa”

Não se busca aqui crucificar o motorista do ônibus ou penalizar excessivamente a empresa ré, bem como personificar na pessoa da falecida todas as vítimas de acidentes automobilísticos, mas esclarecer que a conduta culposa do condutor do coletivo é mais comum do que se pensa, pois descuidou-se do redobrado dever de vigilância que a situação lhe impunha, na medida em que pensou que a mera repetição de condutas automáticas em seu dia-a-dia seriam suficientes para evitar o sinistro, quando, na verdade, a presença de ciclistas, pedestres e motociclistas impõem cautelas maiores, especialmente, de motoristas profissionais e experientes como o preposto da ré.

Márcia Regina de Andrade Prado | 17/11/1968 - 14/01/2009
Márcia Regina de Andrade Prado | 17/11/1968 – 14/01/2009

Condenação do motorista

“A própria descrição do réu e a dinâmica dos fatos revelam sua culpa”, diz o texto da sentença de condenação do motorista Márcio José de Oliveira, emitida em julho de 2013. ”Seja por manobra abrupta, seja por ter resvalado no guidão da ciclista, o réu foi determinante com sua conduta para o desfecho fatal e sua imprudência ficou patente.”

Apesar de ter sido condenado no início de 2014 a 3 anos, 6 meses e 20 dias de detenção por “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”, Oliveira permanece em liberdade. A pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade, por igual período, mais 10 dias de multa. “Como ele agiu de forma culposa (sem intenção), é réu primário e ostenta bons antecedentes, não é caso de encarceramento”, esclareceu à época o promotor Roberto Livianu, do Ministério Público.

O juiz considerou que esses serviços comunitários não poderiam ser em projetos ligados a cicloativismo, afirmando que isso “infligiria sofrimento e constrangimento inúteis ao réu”. O motorista também teve suspensa sua habilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo período da condenação. Saiba mais.

Na internet

Você pode consultar os textos completos das decisões dos dois processos: a sentença de condenação do motorista por homicídio culposo (clique em “listar todas as movimentações” e depois em “sentença de condenação”) e o acórdão sobre a indenização à família da ciclista.

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8 comentários em “Empresa de ônibus é condenada a pagar R$100 mil à família da ciclista Márcia Prado

  1. Lamentável o acidente e a morte da ciclista, penso que um milhão seria uma condenação mais justa para assustar os demais IRRESPONSÁVEIS que guiam automóveis e ônibus neste país.

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    1. Que absurdo, Carlos. Márcia estava exercendo seu direito de circulação, na faixa da direita, como manda a lei. Se a imprudência não tivesse sido do motorista, ele não teria sido sentenciado por homicídio.

      Para entender por que os ciclistas continuam utilizam a Paulista, leia este texto.

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  3. Minha observação ao longo de 82anos de vida e que motorista não gosta de de seres humanos e gosta mesmo é de sangue. Idosos sofremos com os descaso observem que irão comprovar o que estou afirmando. Com a justiça lenta e fraca espero que Deus ilumine os responsáveis pois o pior já aconteceu . Aqui estou. Quero notícias. CECÍLIA LALA PRADO

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  4. Que legal, minha vida vale 100 mil reais e 3 anos de serviço comunitário. Quem tiver disposto a pagar isso (tem carro rodando por ai que vale o dobro disso), pode me matar a vontade.

    Pena ridícula, a empresa deveria no minimo ser penalizada a pagar um valor mensal a família, se eu morrer 100 mil não vão garantir a sobrevivência dos meus filhos, nem confortar ninguém, pois esse é um fardo que a família da Marcia vai levar pro resto da vida. Mas é normal, justiça no brasil é mera utopia.

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    1. Anderson.
      O importante é o reconhecimento judicial da gravidade dos fatos. Bom começo.
      Além disso, essa condenação refere-se somente aos danos morais. Existe outras ações possíveis, relacionadas aos danos materiais. Como a pensão por atos ilícitos, etc.
      Abs

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