Dia Nacional do Ciclista não é para ser “comemorado”
Empresas e marcas aproveitam a data para dar parabéns e realizar ações festivas, tentando atrair clientes ciclistas. Mas essa abordagem *precisa* melhorar.
Essa semana recebemos vários releases (textos de divulgação para a imprensa) falando sobre “celebrar” o Dia Nacional do Ciclista, definido por Lei Federal como 19 de agosto. Quase todos divulgavam produtos e serviços de empresas, em alguns casos aproveitando a data para realizar ações festivas que atraíssem quem gosta de bicicletas.
No entanto, por mais que as empresas queiram usar datas especiais para promover ou vender seus produtos e serviços, os departamentos de Marketing e as Assessorias de Imprensa precisam entender que essa não é uma data que deva ser comemorada.
Dia Nacional do Ciclista
O Dia Nacional do Ciclista foi criado em memória de Pedro Davison, morto aos 25 anos enquanto pedalava no Eixo Sul, em Brasília. Pedro foi atropelado por Leonardo Luiz da Costa, que dirigia embriagado, excedia a velocidade permitida para a via e estava com a CNH vencida. E que, pra piorar, fugiu sem prestar socorro.
Por isso, não é uma data para celebração. Não é uma ocasião para dar parabéns a quem pedala. O objetivo é refletirmos sobre a fragilidade dos ciclistas no trânsito. E essa fragilidade resulta diretamente do abuso de boa parte dos motoristas quanto à velocidade ou ao álcool.
Também é uma ocasião para avaliarmos o quanto ainda precisamos avançar no planejamento viário, para um dia termos ruas e rodovias que sejam seguras para todos. Não apenas para quem tem airbags.
“Mas então deveríamos pedalar de preto nessa data, fazer um luto nacional, evitar sorrir?” Obviamente não precisamos chegar a tanto. Mas espera-se que as ações feitas nesse dia, por mais que visem divulgar produtos e marcas, tragam algum elemento de reflexão ou de conscientização. Deve-se buscar contribuir com a mudança, em vez de ignorar completamente a luta por menos mortes no trânsito, transformando-a em uma micareta de vendas.
Recomendações de segurança
Os releases muitas vezes chegam como matérias prontas, cheias de elogios a alguma marca ou empresa, com a expectativa que o editor do site/jornal/revista venha a publicá-los na íntegra. Pois bem, um dos textos que recebemos aproveitava a data para divulgar a competência do Centro de Trauma de um hospital particular.
Depois de iniciar falando sobre “celebrar” o Dia Nacional do Ciclista, o texto parecia caminhar bem ao apresentar dados estatísticos sobre mortes de ciclistas. Apesar de elencar a distribuição percentual de gênero das vítimas e também a proporção de óbitos por lesões na cabeça, não informava se as mortes ocorriam por atropelamento ou por simples queda. Mas mesmo sem essa informação, a recomendação para reduzir essas mortes, endossada por um especialista (em traumatologia, não em segurança viária), era simplesmente usar capacete.
É claro que um capacete protege nossa cabeça, principalmente em caso de queda. Eu mesmo uso e também recomendo que ele seja usado. Mas convenhamos que, em caso de atropelamento, é muito improvável que ele seja fator chave para impedir o óbito. Até porque o impacto de um carro, caso venha a ocorrer na cabeça, não será absorvido pelo material do capacete, que foi projetado para proteger contra quedas. E mesmo que proteja os ossos do crânio nesse impacto, a atuação da inércia sobre a massa encefálica continuará causando um trauma gravíssimo e potencialmente fatal.
Preparar o ciclista para sobreviver ao impacto de um carro é apenas um paliativo. E além de pouco efetivo, não vai evitar que os atropelamentos continuem acontecendo.
Como reduzir mortes de ciclistas
Mesmo com capacete, luvas, cotoveleira, joelheira, protetor cervical ou armadura, Pedro Davison não teria sobrevivido. E ainda que o comportamento de um ciclista no trânsito possa aumentar sua segurança, é preciso ir muito além de apenas pedir que os ciclistas tenham mais cuidado.
Uma das principais causas dessas mortes é o comportamento de quem está ao volante, que em inúmeros casos não deixa tempo para que o ciclista possa reagir. Quem conduz o veículo maior, mais rápido e mais pesado é quem de fato pode evitar o atropelamento. É quem consegue desviar ou frear a tempo. E também quem pode evitar condutas que criam risco aos mais frágeis. Entre elas, exceder o limite de velocidade, realizar ultrapassagens perigosas e passar perto demais de quem está de bicicleta ou a pé.
Seria muito melhor para a imagem dessas empresas se aproveitassem a reflexão trazida pela data para conscientizar quem dirige. Não apenas sobre o uso de álcool, mas também sobre conduta consciente e respeitosa nas ruas e estradas. Afinal, não são só os embriagados que matam no trânsito. É preciso educar para que as pessoas entendam que, ao dirigir, devem proteger os entes mais frágeis do trânsito, que são ciclistas e pedestres.
Outro ponto importante é o planejamento viário das cidades. Não adianta continuarmos projetando as vias tendo apenas a fluidez dos automóveis como objetivo. Gestores e técnicos comumente preocupam-se com a proteção à vida apenas no limite do que exige a Lei. Cumprem o mínimo estabelecido em termos de sinalização, distância de travessia, tempo semafórico, geometria da via e lavam as mãos sobre o assunto. E muitas vezes ignoram essas regras, como no caso de diversas ciclovias com largura bastante inferior à estabelecida pelo Contran.
É preciso pensar a cidade para as pessoas, não para os carros. Senão eles continuarão congestionando as vias, porque o planejamento urbano impulsionará seu uso, enquanto usuários de transporte público continuarão gastando cada vez mais tempo no trajeto. E os ciclistas e pedestres continuarão sendo atropelados, sem capacetes capazes de salvá-los da imprudência de terceiros.
Afinal, o Dia Nacional do Ciclista é exatamente sobre isso.
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