11 motivos para não pedalar na contramão
Pedalar na contramão traz uma certa sensação de segurança por vermos os carros se aproximando, mas isso acaba sendo muito mais perigoso. Entenda os motivos.
1Não é mais rápido: Ao contrário da crença polular, ciclistas que se integram ao fluxo normal de veículos chegam mais depressa ao destino. Quando você entra na contramão, tem que parar ou diminuir o ritmo a todo instante (pelos motivos expostos nos itens abaixo), enquanto integrado ao fluxo de veículos você desenvolve velocidades maiores – principalmente considerando-se a velocidade média, que é o que determina a duração do trajeto1.
2Não é mais seguro: A maneira mais segura de pedalar no trânsito é fazer parte dele. De acordo com estudos científicos sobre colisões, ciclistas que pedalam na mão correta têm cerca de cinco vezes menos chances de colisão, comparados aos que fazem suas próprias regras em vez de se integrar às que já valem aos demais veículos (J. Forester; Effective Cycling. Cambridge, MA, MIT Press, 1993)1. Segundo Bruce Mackey, diretor de segurança para Bicicletas em Nevada, 25% dos acidentes com ciclistas nos EUA resultam de ciclistas pedalando na contramão5.
3Não há tempo de reação: Mais de 50% dos atropelamentos poderiam ser evitados com um comportamento mais defensivo do ciclista2 (algumas fontes citam 90%4) e em menos de 1% dos casos o ciclista sofre uma colisão traseira2. Na contramão, você tem a sensação psicológica de que está mantendo a situação sob controle, quando na verdade não está. Se você vê um carro desgovernado vindo na sua direção, não dá tempo de desviar, principalmente porque suas velocidades estarão potencializadas: a velocidade com a qual o carro se aproxima de você é a sua somada à dele. Um carro a 60 km/h com você a 20 km/h estará se aproximando de você a uma velocidade relativa de 80 km/h. Se vocês estivessem na mesma direção, ele chegaria a você com metade dessa velocidade, 40 km/h. Com o bom uso de um espelho retrovisor e de seus ouvidos, você tem o dobro do tempo de reação. O motorista também terá esse tempo e é mais importante ele desviar de você do que você dele, porque quem conduz o carro é quem realmente pode evitar o atropelamento. Você não consegue jogar sua bicicleta cinco metros para o lado em um segundo, mas o motorista pode fazer isso com seu carro se houver tempo suficiente.
4É mais difícil evitar o atropelamento: Andar na contramão é chegar nos carros mais depressa3. Trafegando em direções opostas, tanto você como o motorista precisam parar totalmente para evitar uma colisão frontal. Trafegando no mesmo sentido, o motorista precisa apenas diminuir a velocidade para abaixo da sua para evitar o atropelamento, tendo ainda muito mais tempo para reagir1 e uma margem bem maior.
5Em caso de atropelamento, os danos ao seu corpo serão bem maiores: Pelo mesmo motivo do item anterior (soma de velocidades), se você bater de frente com um carro vai sofrer muito mais. E ainda há um agravante: a inércia. Se você está indo no mesmo sentido do carro, ele vai pegar primeiro sua roda traseira e você sairá voando por cima do guidão, devido à inércia (com a roda de trás da bicicleta agarrada pelo carro, você continuará seu movimento anterior) ou devido à transmissão de energia cinética (o carro colide com a bicicleta e transfere parte de seu movimento para ela e consequentemente para seu corpo, impulsionando ambos adiante, com a bicicleta começando a parar uma fração de segundo depois porque a roda de trás não gira mais e seu corpo saindo para a frente com o movimento transferido). Melhor voar por cima da bicicleta em direção ao asfalto livre e estacionário do que se chocar com um para-brisa ou capô, que além de estarem a um metro de você no momento da colisão ainda vêm em sua direção com velocidade e força de impacto.
6Você surpreende os carros: Como você chega mais rápido nos carros, você os pega de surpresa. Principalmente em curvas à direita: o motorista está fazendo a curva quando de repente aparece você vindo na direção dele. Não há tempo de reação. Ele não consegue frear, não pode ir para a esquerda porque há outros carros, na direita tem um carro parado ou a calçada. Você também não pode se jogar para a calçada se há carros parados e, mesmo que não haja, não dá tempo nem de pensar nisso. Se vocês estivessem no mesmo sentido, o motorista teria bem mais tempo para reagir, talvez até o dobro, e poderia apenas diminuir a velocidade para evitar a colisão. Um carro não estanca imediatamente, mesmo que o motorista queira, se esforce e tenha um freio ABS com pneus bons.
7Os motoristas não te vêem nos cruzamentos: 95% dos acidentes com bicicletas acontecem em cruzamentos2. E falando especificamente de pedalar na contramão, é fácil entender o motivo: quando um carro vira num cruzamento, o motorista olha apenas para o lado do qual os carros vêm. Imagine um carro entrando numa avenida: o condutor olha para a esquerda; se não vem carro, ele entra. Nisso você está chegando com sua bicicleta na contramão e ele te pega de frente1. Não tem buzininha, grito, agilidade ou terço pendurado no guidão que resolva isso.
8Os motoristas não te vêem ao sair das vagas e garagens: Ao sair de uma vaga em que está estacionado, o motorista olha para trás, seja pelos espelhos ou pela janela, para ver se há veículos vindo. O mesmo ocorre quando ele sai de uma garagem de prédio ou de um estacionamento. Ele não olha para a frente, afinal não vêm carros daquela direção. Você, vindo na direção do carro, nem sempre verá que o motorista vai sair da vaga e, quando vir, talvez não adiante mais frear. Ao sair, ele vai te pegar de frente, mesmo que você consiga parar totalmente a bicicleta a tempo.
9Os motoristas não te vêem ao abrir as portas dos carros: Se muitos já não olham pelo espelho para abrir a porta do carro e ainda culpam o ciclista por isso, imagine se vão olhar para a frente para ver se vem vindo uma bicicleta. A chance de levar uma portada é muito maior.
10Os pedestres não te vêem: Quando um pedestre vai atravessar a rua, ele olha para o lado do qual os carros vêm. Preste atenção no seu próprio comportamento na próxima vez que for atravessar uma avenida a pé e perceberá como isso é verdade. Por isso, pode acontecer de alguém cruzar a rua do nada na frente da sua bicicleta, saindo do meio dos carros, de costas para você. E não vai dar tempo para fazer nada.
11Se quer ser tratado como veículo, porte-se como um: Se você se comporta como um veículo, sinalizando suas intenções, respeitando mãos de direção, sinais de tráfego, faixas de pedestre e etc., os motoristas o respeitarão mais. “Se aquele cara se preocupa com tudo isso, não é um mané qualquer que está aqui só atrapalhando”. Se, por outro lado, você anda na contramão, você os incomoda. Sim, isso irrita muitos motoristas, que ficam com a sensação de que você está adotando uma atitude de confrontamento, de negação de regras, de desrespeito. Passar em todos os sinais e outras pequenas infrações também os irritam, geralmente pela sensação de injustiça (“poxa, aquilo é proibido mas só porque ele tá de bicicleta ele pode fazer e eu não?”). Seja um modelo a ser espelhado e não um alvo da raiva e frustração alheias.
Você deve *ser* a própria mudança que deseja ver no mundo – Mahatma Gandhi
Fontes
1 Bicycling Street Smarts: Where to Ride on the Road
2 Escola de bicicleta: pedalar no trânsito
3 Guia Bike na Rua (por Cleber Anderson)
4 Traffic safety solutions in the works – Las Vegas Sun, 04/Jun/2004
5 Bicyclesafe.com – How to Not Get Hit by Cars
O que diz a lei
O Código Brasileiro de Trânsito é claro: bicicletas devem circular na via, no mesmo sentido dos carros e com preferência sobre eles. E não é à toa, é uma questão de segurança viária.
Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.
Parabéns pelo artigo, esclarecedor e fundamentado em referências! Muito bom!
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Eu concordo que andar na contramão atrapalha os motoristas que respeitam os ciclistas e até outros ciclistas. Ao mesmo tempo, acho que os motoristas brasileiros ainda têm um longo caminho pela frente em termos de educação e respeito pelos mais fracos. A gente sabe que esse respeito é praticamente inexistente. Andando na mão ou contramão, eu sei que preciso prestar atenção por mim *e* pelo motorista. Só que, quando estou seguindo o fluxo do trânsito, eu simplesmente não vejo quem vem atrás, e já tiraram vários “finos” de mim assim. Se estou na contramão, na dúvida eu simplesmente paro a bicicleta e subo na calçada (e, sim, demoro mais para chegar ao destino), mas definitivamente ainda não confio o suficiente nos motoristas brasileiros para deixar tudo na mão deles. Se todos dirigissem como eu, não me preocuparia. Mas não é a realidade, infelizmente. Essas estatísticas não são brasileiras (nunca são, infelizmente os brasileiros não se preocupam com esses dados), e o trânsito ao qual se referem também não é.
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Você nunca foi atropelado por tras.
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Você tem razão em relação ao que fala dos motoristas, porém não deve ter atitudes radicais como as deles.
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Muito bem.
É gratificante ver posts como os teus. O conhecimento salva.
Esse assunto da contramão, infelizmente, não é consenso. Costumo encontrar muitos adeptos dessa prática que não conseguem avaliar corretamente os riscos e não conseguem enxergar o ponto de vista dos outros – no caso, o dos motorizados, que não podem mesmo adivinhar quando alguém vai aparecer de forma inesperada.
Andar na contramão atrapalha todo mundo, até os outros ciclistas, e não aumenta em nada a segurança.
Acredito que mostrar claramente a intenção, se impor respeitosamente e fazer parte do tráfego são a atitude correta.
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William, parabenizo o blog. Tem excelentes dicas aqui e já estou utilizando várias dela.
Comecei a pedalar para ir ao trabalho e estou achando incrível. Só tenho ainda um pouco de medo das fechadas que alguns carros ainda dão.
Bem, sábado agora ocorrerá a primeira bicicletada em Maringá, PR. A ideia é conscientizar o maior número de motoristas e ciclistas sobre o código de trânsito e exigir respeito de ambos os lados.
Tentaremos aumentar a quantidade de ciclovias e ciclofaixas na cidade, mas aí o projeto será a longo prazo.
abraços.
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Para o Augusto Guedes: não dá para fazer estatística com apenas uma ocorrência. Andar na mão evita muitos acidentes, mas infelizmente não todos. Como você mesmo diz, no seu exemplo foi um toque sem consequências. Já se você estivesse na contramão, as velocidades se somariam e poderia ter sido muito mais grave. Basta ler o texto do blog e compreendê-lo. Ele se baseia em ESTUDOS e EXPERIÊNCIA PRÁTICA de milhares e milhares de quilômetros rodados por ciclistas experientes.
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A única vez que eu QUASE atropelei um ciclista, o Filha da Mãe estava vindo na contramão, em uma via que eu estava acessando de carro. O Motorista olha pra direita, pra ver se está vindo carro, e quando entra, dá de frente com um ciclista, que ainda se ACHA na razão, e te xinga…. Quem diabos espera um ciclista vindo na contramão???
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Parabéns pela iniciativa do seu blog (já disponível há muito tempo, mas só o conheci agora.
Como ciclista desde antes de completar meus 4 anos (tenho 40), só posso parabenizá-lo.
Também gostei muito da seção “Por que não pedalar na contramão?”. Sempre tive as mesmíssimas opiniões.
Tenho uma página na Internet onde trato sobre cidadania em geral. Possuo uma seção onde me atrevi a falar de trânsito e tenho uma seção sobre bicicletas. Convido-o a acessar. O endereço é:
http://geocities.yahoo.com.br/cidadania_br
Vou colocar na página um “link” para o seu.
Abraços
Nogueira
Polêmico. O que acha? 6 4