Marina Harkot: um ano depois do atropelamento, o que mudou?
O que avançou no processo contra o atropelador e o que se descobriu sobre o caso
Em 8 de novembro de 2020, Marina Harkot voltava para casa de bicicleta quando foi atingida por um motorista na Av. Paulo VI, zona Oeste de São Paulo. O atropelador a deixou caída e fugiu, confiando na impunidade do anonimato, enquanto a vida da jovem de 28 anos se esvaía no asfalto. Marina morreu no local.
O atropelador, José Maria da Costa Júnior, responde em liberdade aos crimes de homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), fuga do local sem socorrer a vítima e direção “com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool”. Ele é réu no processo da 5ª Vara do Júri, que trata de crimes dolosos contra a vida.
A Justiça o proibiu de frequentar bares e outros estabelecimentos que vendam bebida alcoólica, de ter contato com outros envolvidos no caso e suspendeu sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa. Medidas importantes, mas difíceis de fiscalizar.
Audiência marcada
Há uma audiência marcada para o 24 de novembro, uma quarta-feira, às 13h30, no Fórum da Barra Funda, em São Paulo. É uma audiência de instrução, onde a juíza Marcela Raia de Sant’Anna ouvirá as testemunhas de defesa e de acusação, a Promotoria e os advogados que defendem o atropelador. Depois, a magistrada ouvirá o réu, José Maria da Costa Júnior.
Depois da audiência, a juíza decidirá se há indícios suficientes de crime para que o caso seja levado a júri popular. Homicídios são julgados nesse formato, portanto o que deverá ser avaliado é se os indícios levantados realmente apontam para esse tipo de crime.
No Tribunal do Júri, sete jurados decidirão a responsabilidade de José Maria pelos crimes e se ele deve ser condenado ou absolvido. A juíza conduz os trabalhos e aplica a sentença, que pode chegar a até 30 anos de prisão no caso de homicídio.
Amigos respondem a outro processo
Os amigos de José Maria da Costa Júnior, que estavam no carro com ele, respondem a outro processo, por omissão de socorro. A estudante Isabela Serafim e o auxiliar de escrevente de cartório Guilherme Dias da Mota, ambos de 21 anos, também respondem em liberdade.
A audiência deles ainda será marcada pela Vara do Juizado Especial Criminal, que julga crimes considerados de menor potencial ofensivo, como a omissão de socorro. Um único magistrado fará esse julgamento, o juiz José Fernando Steinberg.
A pena para esse tipo de crime não ultrapassa dois anos de prisão e costuma ser convertida em prestação de serviços à comunidade.
Manifestações em todo o país
Ciclistas, familiares e amigos farão uma manifestação em sua memória em São Paulo no próximo sábado, dia 6/11, para “repetir e completar o caminho que ela não pôde”. A partir das 20h, no mural feito em sua homenagem no local do atropelamento.
Manifestações semelhantes serão feitas em muitas outras cidades, veja a lista completa aqui.
A investigação
Nos dias que se seguiram ao crime, a investigação evoluiu com rapidez. Apenas dois dias depois do ocorrido, a polícia encontrou o carro usado pelo atropelador. No mesmo dia, policiais entraram no apartamento do suspeito, que teria abandonado o local às pressas.
Ainda nesse mesmo dia, a polícia pediu a prisão preventiva de José Maria da Costa Júnior, que dirigia o carro, e o atropelador se apresentou voluntariamente ao 14º Distrito Policial de Pinheiros, para prestar depoimento.
Na saída, houve tumulto, com a presença de manifestantes que pediam sua prisão. Mas José Maria entrou e saiu da delegacia sem receio de ser preso, pois já havia escapado do flagrante e o pedido de prisão preventiva não havia sido atendido. Por sinal, acabou sendo negado pela Justiça paulista.
Contradição em entrevista
Enquanto aconteciam manifestações por todo o país (e até foi feita uma música em sua homenagem), surgiram imagens que mostravam o atropelador em um bar antes de cometer o crime. Passou-se a considerar que ele estava alcoolizado.
Logo depois, José Maria concedeu entrevista ao programa Fantástico (Globo), onde alegou que não havia bebido e que nem ele e nem as outras pessoas no carro entenderam o que havia acontecido, pensando que talvez fosse “um roubo”.
Mas entrou em contradição ao afirmar que foi embora porque havia mais gente no local que poderia socorrê-la. Ora, se não percebeu que foi um atropelamento, como conseguiu ver que havia mais gente no local e que poderiam prestar socorro? Socorro a quem, se não viu ninguém? Socorrer de quê, se não sabia do atropelamento?
Depoimentos conflitantes
Se Costa Júnior tentou se safar, afirmando que não bebeu e que “não percebeu” o atropelamento, as duas pessoas que o acompanhavam deram depoimentos que podem colocá-lo em maus lençóis.
Isabela Serafim
O primeiro depoimento divulgado foi da mulher de cabelos vermelhos que aparecia com José Maria em algumas fotos da noite do crime, divulgadas amplamente pela imprensa. Em uma delas, o atropelador ria no elevador ao chegar em casa, o que indignou mais ainda ciclistas e a população em geral com sua aparente frieza.
Em seu depoimento, Isabela também alegou não ter percebido o atropelamento. Mesmo estando no banco do carona, onde o impacto da cabeça de Marina afundou o para-brisa bem à sua frente, certamente com grande barulho. Difícil acreditar que nem uma sequer das três pessoas, estando sóbrios e conscientes, tenha percebido o que de fato ocorreu.
Mas dois pontos importantes foram levantados por Isabela. Ela contou que José Maria José Maria teria ingerido uísque com energético no bar onde estavam e que partiu em alta velocidade após o ocorrido.
Outra informação divulgada pela imprensa na época foi a de que o gerente do estacionamento onde o carro foi deixado teria dito à polícia que Isabela voltou meia hora depois, para retirar uma garrafa de bebida do veículo. Ela nega.
Guilherme Dias da Mota
O terceiro ocupante do veículo também prestou depoimento. O Vá de Bike fez uma comparação entre as três versões, que deixam claras as contradições. Vale a pena ler para entender melhor o cenário.
Enquanto José Maria diz não ter bebido e Isabela diz que ele bebeu quanto estava no bar, Guilherme foi além e disse que o atropelador já chegou ao bar alcoolizado. E confirmou que ele ingeriu o uísque com energético, tendo até pedido “um chorinho” ao garçom (uma quantidade adicional de bebida alcoólica no coquetel).
Ainda segundo seu depoimento, quando o atropelamento aconteceu os três estariam à procura de outro bar, porque o local onde estavam havia fechado.
Alega estar no banco de trás e por isso não viu o momento exato do impacto no corpo de Marina Harkot, mas contou que José Maria já estava em alta velocidade quando isso ocorreu e que dirigiu ainda mais rápido para se evadir do local. Uma multa fotográfica mostra o carro usado no crime em alta velocidade na Av. Sumaré, enquanto Marina lutava pela vida no asfalto logo atrás.
Quem foi Marina Harkot
Cicloativista e pesquisadora de mobilidade urbana, Marina Kohler Harkot atuou no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito e foi coordenadora da Ciclocidade (Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo).
Obteve o título de mestre pela USP, com a dissertação “A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo”.
Deu aulas na Escola da Cidade e foi consultora de projetos no Banco Mundial.
Nos deixou aos 28 anos, com muito ainda por fazer pelos ciclistas e pela cidade.
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Infelizmente nada mudou depois de um ano. Não vai dar em nada pra esse cara. Vai sair pela porta da frente e matar outra “Marina” e os amigos deles que estiveram com ele vão continuar passando pano e quem vai sofrer pra sempre são a família dessa moça. Que a justiça seja feita, porque com ele solto ele pode fazer novamente e quantas Marinas serão mortas para que essa lei possa mudar?
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Marina continuará existindo eternamente pelas boas ações e amorosidade praticadas em sua breve vida. Pena não serem todas as pessoas assim, comprometidas com o bem. Como explicar alguém que mata um ser humano e logo depois aparece rindo? Não dá para aceitar. Para o bem dele mesmo e do destino da humanidade, é necessário um julgamento coerente com a evidente insensatez de seus atos.
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Abracemos essa causa com muito garra. Porque ontem foi nossa Marina e… amanhã ? Qual nome será a próxima vítima?
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Agradecemos, William Cruz, pelo ótimo trabalho de jornalismo investigativo que tem realizado.
Conforta-nos identificar profissionais, como você e o grupo que atua em conjunto, que dedicaram seu tempo para garimpar essas informações e divulgadas em textos muito bem escritos, preciso e sem sensacionalismo.
Ótima contribuição para o transporte ativo, mobilidade urbana e cicloativismo.
Estamos a disposição para o que precisarem.
Forte e fraterno abraço a todos!
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Puxa, Paulo, obrigado! Reconhecimentos como esse é que fazem o trabalho valer a pena. Grande abraço e muita força a vocês. Que ao menos a justiça prevaleça.
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1 ano, a tristeza é a mesma. Precisamos transformar a segurança no trânsito através de leis mais severas. Ciclistas não transitam por vias seguras, projetadas para o ciclismo. Ciclofaixas, em especial, são muito perigosas. Vias para ciclistas devem ser projetadas por ciclistas, não por cargos públicos.
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